segunda-feira, 12 de abril de 2010

CANCAN NORDESTINO



O cancan, todo mundo já sabe, é coisa de francês. A capsicum chinense, apesar do nome, é nativa da bacia amazônica. Muito popular nos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, esta planta vigorosa, com hastes verdíssimas, produz lindos frutos pungentes que vão do verde ao amarelo alaranjado. No litoral nordestino, ela entra no preparo de molhos feitos na hora: é picadinha e esmagada ainda fresca, com caldo de peixe, cebola, alho e coentro pra acompanhar deliciosos pratos à base de frutos do mar. Estou falando de uma frutinha danada, que queima por fora e por dentro, enchendo a gente de calor e prazer... Apelidada carinhosamente de Arriba-saia por ser tão ardida que dela não escapam nem as moças de boa família que, sem o menor pudor e por total desespero, levantam as saias pra abanar a boca (e outras partes mais íntimas, dizem as más línguas) e aliviar o ardor que sentem ao prová-la. Nossa pimentinha gosta de clima quente e úmido, com solo fértil, profundo e bem drenado (hum, isso explica um bocado de coisas) e é a mais brasileira das capsicum. Confesso que ainda não arribei a saia, ou melhor, ainda não provei a diaba, mas vontade não me falta (estou falando de experimentar a pimenta) e prometo contar tudinho aqui quando isso acontecer... Por enquanto só dá pra imaginar o espetáculo proporcionado por algumas moçoilas provando, ao mesmo tempo, o tal molho arrebatador... E lá estão elas, pegando fogo, as bailarinas nordestinas, quase como no Moulin Rouge, num balé improvisado, sainha pra cima, sainha pra baixo, sainha pra lá, sainha pra cá... Danou-se!! Quem mandou experimentar a arriba-saia, menina assanhada?!
Esta receita fantástica foi dada no quadro Me leva Brasil do programa você já sabe qual. Anote aí e boa sorte! 250gr de camarão, 3 dentes de alho, 1 pitada de sal, 4 folhas de manjericão, 3 galhos de coentro, 3 de cebolinha e 3 de salsa, ½ pimentão picado, ½ cebola picada, ½ tomate picado, 1 xícara de leite de coco, suco de ½ limão, 6 rodelas de banana-da-terra. Lave o camarão e coloque em uma frigideira untada. Junte todos os ingredientes; por último o leite de coco e as rodelas de banana por cima. Cozinhe por 20 minutos. Junte 2 colheres de dendê; o molhinho ardido entra por último e está pronta sua Moqueca de camarão com arriba-saia. Bon appétit!



quinta-feira, 8 de abril de 2010

UM AMOR DE CENOURA



“Les vieilles casseroles font les meilleures soupes, mais les carottes sont jeunes.”
Você certamente conhece só a primeira parte deste tão antigo ditado popular: “Panela velha é que faz comida boa.” A segunda metade deve ter desaparecido, por puro machismo, ao longo dos anos. Ô dó! Mas aqui vai o velho ditado, inteirinho traduzido, sem cortes nem arremates e fiel à língua de Molière: “As velhas panelas fazem as melhores sopas, mas as cenouras são jovens.”
Bom, deixemos as panelas no armário. É a cenoura, esse tubérculo maravilhoso, que vamos desenterrar hoje.
A ancestral selvagem da cenoura tem origem no Afeganistão, onde se encontra uma diversidade imensa da raiz. Digamos que a cenoura selvagem (teoricamente comestível, mas muito amarga e muito fibrosa para ser apreciada como alimento), seja uma priminha da cenoura domesticada que comemos hoje. A espécie longa, de tom laranja intenso, carnuda, de sabor suave e levemente adocicado, surgiu entre os séculos dezessete e dezenove na Holanda e a partir daí, ganhou os mercados do mundo.
Como todas as frutas e legumes ricos em fibras, vitaminas, sais minerais, a cenourinha é uma aliada fortíssima da saúde humana. Seu principal trunfo é o caroteno, essa bendita substância antioxidante que bate de frente com os radicais livres, os vilões responsáveis pelo envelhecimento das células (quanto mais colorida, mais rica em caroteno). Consumidas cruas ou cozidas, raladas, em saladas, associadas a outros legumes como a beterraba e o salsão, em sopas, purês, bolos, sucos, a cenoura só traz alegria, é uma delícia! A sensação de saciedade, leveza e bem-estar que ela nos proporciona é indescritível! Escolha sempre as jovens, firmes, de cor viva, de folhas vigorosas e bem verdes (quando assim forem vendidas) e solte a imaginação na hora do almoço, do lanche, do jantar ou a qualquer hora quando a fome apertar...
Essa deliciosa receita, o Velouté sexy de cenouras, só tem um pequeno inconveniente: a dificuldade em se achar a matéria-prima adequada, já que a carotte sexy só é encontrada na França, no mês de fevereiro; sua forma peculiar dá um sabor único a esse creme delicado e gostoso, aguça os sentidos, abre a mente e nos torna mais amáveis. Será?! Pra cozinha, já!! (não custa tentar). Raspe e corte em pedaços ½ kg de cenouras sexy. Coloque os pedaços em uma panela, cubra com água, junte 1 cubo de caldo de galinha, pimenta-do-reino moída na hora, tampe e deixe cozinhar por 20 minutos ou até as cenouras ficarem bem macias. Em seguida, bata no liquidificador e acrescente 400gr de creme de leite fresco. Acerte o sal. Misture coentro picado e uma pitada de cominho. Sirva com croûtons de alho.
Bon appétit!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

BLANCHE POÊLE



Foi depois de ler o relato do batizado da minha panela Le Creuset azulzinha, a Elvira Rios, que um amigo distante (distante só em quilômetros) me mandou o seguinte recado: “Eu tenho uma frigideira branca (grande e claro pesadíssima), ainda sem receita. Não sou feiticeiro, mas sou esforçado. Me ajuda, vai!?”
Prometi ajudar, mas tinha cá minhas exigências. Pra começar, gostaria de vê-la antes e teríamos que batizá-la também, afinal sem nome e sobrenome, a coitada estaria, digamos, frita. Sugeri um nome francês, delicado e cheio de charme pra honrar sua roupagem imaculada e sua missão neste planeta: Blanche Poêle. Meu amigo aceitou com gosto. Providenciou sem hesitar, fotos mil, de lado, de costas, de frente, o melhor perfil de Blanche e num misto de biografia e comédia romântica, me contou sua história com ela. É de amolecer o coração! Voilà:
“Elma querida, Como te prometi, segue a história de nossa querida Blanche: Bem, tudo começou quando nos encontramos nos EEUU há uns dois anos, quando entre uma aula e outra de um congresso, fui às compras e achei que as malas estavam muito leves... Bem, entre tantas coisas numa casa francesa e entre tantas amigas tão diversas, depois de comprar pincéis e coisas em promoção, vi nossa tímida Blanche, até então anônima no meio de amigas "espetaculosas" verdes, abóbora, vermelhas puta, enfim, ela branca e pura, singela, mas firme e certa do que era e a que veio neste mundo do carbono.Depois de titubear um pouco, resolvi que encararia a empreitada de trazê-la comigo já que ela não suportava mais a América do Norte e a dona da casa que ela então ocupava. A dona, por sinal ficou entusiasmada com minha coragem, "brave man you are!”... Não sei onde Blanche nasceu, é francesa me disse ela de cara (o inglês dela entrega, apesar de sua fluência)... Mas a vida dela esconde detalhes que ela aos poucos nos revela. Ela é tímida. É ofuscada por duas amigas suecas que viviam na Inglaterra, são metidas a práticas, versáteis, forjadas em série a partir de um dos melhores aços do mundo etc... Bem, ela não se intimida, é só dar uma deixa que ela se revela, e como se revela... Ela precisa de um pouco de tempo pra engatar ou talvez seja muito mais uma questão de mais Watts de potência nos queimadores. Tantas possibilidades... Fato é, quando Blanche se embala, ela bota pra quebrar! É vaidosa, faz BEM! e se não tomar cuidado ARROMBA tudo que tiver por perto, em cima, dos lados. Como ela é espaçosa, já dá pra imaginar o estrago que pode fazer se não souber conduzir bem seus calores. Beira a histeria, mas na verdade ela é intensa, sabe o que tem que fazer e faz! Só isso. Ela me revelou hoje, excitada com a possibilidade de mostrar mais ainda seus talentos, que se sente um pouco escanteada, menosprezada até e que sua auto-estima tem andado meio combalida, apesar da consciência de seus valores todos (beleza, funcionalidade, versatilidade, tradição-família importante). Adorou as fotos que tiramos juntos e me pediu que te dissesse que no fundo, no fundo mesmo, ela tá meio cansada de distrações bobas e rápidas. Ela sente que tem um potencial enorme e que deveria partilhar esse potencial com pessoas legais que ela quer conhecer e quer que eu traga aqui pra nossa casa. Não precisa ser pra morar não, afinal ela é ciumenta e já bastam as duas suecas, me disse num tom meio ressentido... Danado esse destino, trouxe nossa menina pra Recife, num ap. de 50m2, onde não fica nem bem ela expor toda sua pujança e paixão, cheiros, fluidos, e calor - enfim seu lado mais humano. Eu providenciei uma tampa... pra deter um pouco de seu ímpeto, ela sempre me queima um pouquinho pra se "amostrar", é verdade! tá ficando pernambucana! Danada!Veja as fotos e tire suas conclusões... O dilema é grande! Tanta intensidade numa criatura que bateu vontade de virar caldeirão. Aguardamos ansiosos sua resposta. Beijão...”

Ainda não respondi, mas vou responder e já posso imaginar o que Blanche e Elvira são capazes de aprontar juntas, sobre um mesmo fogão, de bundinhas quentes, untadas, cheias de calor pra dar... pra grelhar, pra refogar, pra fritar, pra cozinhar...
(E depois a surtada sou eu!?)

Bon appétit!

PAU RODADO, QUE NADA!



“A gastronomia cuiabana é fruto de um ambiente natural e de cultura própria, caldeada no decurso dos séculos e prática ancestral de nossa sociedade.” (José Carlos Vicente Ferreira)
Impossível falar da gastronomia mato-grossense sem se embrenhar nas origens desta região de proporções notáveis. Deve-se à descoberta do ouro (início do século dezoito), o surgimento do primeiro povoado neste pedaço de chão do oeste brasileiro, até então habitado pelo povo indígena Bororo que, juntamente com os colonizadores europeus e os negros escravos, contribuiu para mesclar e dar origem à população cuiabana que conhecemos hoje. Como herança cultural do povo Bororo, ficaram os potes e as panelas de barro, os balaios, o conhecimento da caça, da pesca e da coleta dos frutos da terra, o cultivo da mandioca, do inhame e do milho... A agricultura e a pecuária chegaram logo depois. A convivência amistosa entre o povo indígena e o negro escravo contribuiu de maneira decisiva para o nascimento da típica culinária cuiabana. Outro ingrediente histórico que temperou o que já era bom, é a variedade étnica composta por gente vinda dos quatro cantos do Brasil e outro tanto vindo do exterior. Hábitos alimentares diversos foram se agregando à base da culinária local. Pronto. Nasceu uma cozinha rica e de sabor peculiar; de preparo relativamente simples, farta, pra ser compartilhada; levemente adocicada pela banana-da-terra presente em tantos pratos; comida de verdade que faz suar, suor que faz o corpo refrescar...
Pisei pela primeira vez o solo quente, quentíssimo, dessa terra em 1981... Em 1988, estava aqui de mala e cuia, suando em bicas e feliz da vida. Pau rodado?! Uma ova!! Escolhi viver aqui!! Acho até que fui convidada.
Hoje minha amiga Cuiabá está de aniversário. Para ela vão meus pensamentos e brindo essa amizade de tão longa data... Vou juntar 1 copo americano de licor de cacau, 1 lata de leite condensado, 2 latas de leite, 1 colher (sopa) de chocolate em pó, 1 copo americano de aguardente ou vodka, 1 vidro de leite de coco, bater tudinho no liquidificador e está pronto um licor delicioso, a Meia-de-seda cuiabana... Tchin tchin amiga!! Te desejo paz e harmonia; mais árvores, mais flores, mais frutas; uma infinidade de temperos e sabores...
Bon appétit!

terça-feira, 6 de abril de 2010

ELVIRA & EU



Você certamente já ouviu o ditado “mente desocupada é a oficina do diabo”. Pois bem, foi um desses momentos que me fez participar de um Quiz proposto em uma rede de amigos da internet: “Que personagem dos filmes da Sessão da Tarde é você?” (como se a sessão da tarde ainda fizesse parte das minhas tardes). Meia dúzia de perguntinhas bobas, respondi, cliquei, enviei. Resultado: “Você é Elvira, a excêntrica personagem principal do filme Elvira, a Rainha das Trevas, que choca todo mundo numa cidadezinha do interior... blablabla.” Veja você, eu não conhecia o filminho, mas um amigo, doido por cinema, ficou rosa shocking de tanto rir com a tal comparação e logo deu um jeito de marcar uma sessão da tarde na noite de sábado pra tirar a prova dos nove. Foi uma hilária e deliciosa descoberta. A protagonista do filme é exagerada, de gosto meio duvidoso (estou sendo gentil), picante, temperadíssima, mas muito envolvente e sobretudo original. Temos um bocado de coisas em comum, isso não dá pra negar ( primeira sílaba do nome, estampa de oncinha, peitões em decotões, uma vida recheada de surpresas e por aí vai...), porém o que mais me surtou é que Elvira e eu temos exatamente a mesma panela: uma linda Le Creuset azul, de onde pode surgir de um tudo... Não resisti à tentação e batizei minha panela que agora tem nome e sobrenome, e se brincar, Elvira Rios vai virar a estrela da minha cozinha. Mente desocupada é ou não é a oficina do diabo?
Prepare-se. Com Elvira vai ser uma comidinha demorada só pra ela poder mostrar todo seu calor e fazer você gemer de prazer... ou seja, uma receita de cozimento lento, sobre fogo brando e constante pra você apreciar o prato.
Na véspera, coloque pouco mais de 1kg de músculo cortado em cubos médios em uma marinada feita com 1 garrafa de vinho tinto seco, 1 colh. sopa de azeite, 2 cenouras grandes cortadas em rodelas grossas, 1 cebola grande em pétalas, 2 dentes de alho inteiros, 1 folha de louro, 5 grãos de pimenta-do-reino, 1 cravo-da-índia. No dia seguinte, escorra a carne e frite os pedaços em fogo alto com um pouco de óleo. Junte a cenoura, a cebola e 30gr de manteiga. Deixe cozinhar por 15 minutos sem tampar. Polvilhe 1 colh. sopa bem cheia de farinha de trigo e misture bem (a farinha deve dourar ligeiramente). Cubra tudo com o vinho e deixe ferver. Sal e pimenta-do-reino moída entram agora. Junte um copo de água, 1 colh. sopa de molho concentrado de tomate e o alho da marinada. Tampe e cozinhe lentamente por 2 lonnngas horas. Sirva com batatas cozidas no vapor. Elvira e eu esperamos que goste!
Bon appétit!

domingo, 4 de abril de 2010

CASCA NOVA



“Mudar de casa, mudar de casca, mudar de recheio...” Estou de casca nova. Ainda meio perdida no espaço novo que só reconheço como meu porque está recheado de pedaços de mim... A bagunça-organizada é a dona da casa. Valha-me Deus! Só encontro o que não preciso (cadê as facas de corte, a cafeteira, a colher de bambu??)... É estreia na cozinha e parece que fiquei canhota de uma hora pra outra; a panela é bela, mas ainda uma desconhecida; intimidade com o fogão novo, só daqui um bocado de dias. É a vida do avesso; um avesso necessário para um recomeço direito. Felizmente existem os amigos e amigo de verdade, acha tudo perfeitinho, mas amigo também tem fome... E quem tem fome quer o quê? Comer. Era Sexta-feira Santa e não deu nem pra pestanejar; o primeiro jantar na casa 24 ia mesmo se realizar sem nenhum protocolo inaugural: arroz jasmine (aquele típico da cozinha tailandesa) que quando começa a fritar, exala um cheirinho irresistível de pipoca fazendo a boca salivar; medalhões de filé pra dourar na manteiga e comer com mostarda forte; legumes em fatias no azeite pra acompanhar; vinho tinto pra regar tudo e só. Éramos cinco. Um casal de amigos de lonnnnnga data, um mais recente, um outro recém-chegado, mas não menos bem-vindo que os demais e eu. Cinco almas marinadas no bem-estar do convívio amistoso em torno da mesa posta. Me dei conta que ali estavam dois homens de culturas diferentes, um árabe, o outro judeu, um diante do outro, brindando pra celebrar a Páscoa; ambos exalavam bom-humor e alegria, como tem que ser, como deveria ser... Compartilhar refeições é treinar a paz mundial em casa; é aceitar o diverso; é respeitar as diferenças e aprender com elas; é o prazer de descobrir a igualdade na aparente desigualdade das pessoas; é desarmar o coração... Foi assim meu jantar de Sexta-feira Santa. Santa sexta-feira pra me dizer que na casa 24, reinará sempre a harmonia entre a diversidade; haverá fartura de sabores à mesa e alegria a serem compartilhadas... Amém.
Se esta não for a receita da felicidade, o ponto de partida (mesmo que minúsculo) em direção à paz entre os homens, então não conheço outra....
Bon appétit!