sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A FONTE

Outro dia uma leitora me perguntou de onde vinha minha inspiração pra escrever semanalmente. Pra começar, não escrevo religiosamente toda semana. Posso passar dias sem vontade de escrever e de repente, bum, a coisa vem e eu me solto e passo horas debruçada no computador, ou rascunhando com qualquer coisa que rabisque (já usei até lápis de olho pra anotar uma frase que me veio, assim, do nada, em uma sala de espera) e uma coisa me leva a outra, a outra... Cada texto é quase um parto sem dor: tem começo, meio e pimba, a história nasce. Bem ou mal, mas nasce. Muita coisa me inspira, quase tudo me inspira... Quisera poder observar mais, sorver mais, sentir mais, escrever mais... Vou dar um exemplo. Terça-feira passada, um amigo me convidou pra almoçar. Um risoto surpresa. Aceitei de pronto. Gosto de jeito desajeitado de cozinhar do meu amigo. Saí de casa com a intenção de comer bem, falar de um livro cuja crítica ele lera na Veja, tomar um cafezinho, depois trabalhar e só... Minha intenção não bastou. A alguns metros do meu destino, bum, lá estava eu envolvida em um acidente de trânsito, e meu almoço trocado por um telefonema pra seguradora, um B.O. no DETRAN (até agora me pergunto pra que serve o tal papel), muita conversa jogada fora, oficina mecânica... Felizmente já passou. Já esqueci. Foi só lataria. Mas ainda lamento o risoto que não provei, acredita? Não gosto de desperdício de alimentos, muito menos de desperdício de bons momentos. É assim que funciona comigo. Até uma amolação pode me servir de (ins)piração. Meu amigo não me deu detalhes do preparo do tal risoto. Agora estou eu, aqui, matutando pra achar uma receitinha que se encaixe nessa conversa... Já que falei em desperdício, que tal apurar um bocadinho l’art d’utiliser les restes? A arte de utilizar as sobras pode ser surpreendente. O “Viradinho Valente e Viril” é a prova disso. Use 300gr de sobras de carne desfiada ou em cubos, 60gr de manteiga, alho laminado a gosto, 1 cebola picada, 1 concha de feijão cozido e escorrido, bacon picado frito, 4 ovos mexidos, 1 xícara de passas sem sementes, 300gr de sobra de arroz branco cozido, 1 fio de azeite, ½ xícara de castanha de caju picada.
Refogue a carne na metade da manteiga. Em outra frigideira, doure a cebola e o alho com a outra metade. Junte o feijão, o bacon, os ovos, as passas e por último o arroz. Regue com azeite. Junte as castanhas e sirva. É pra comer sem frescuras!
Bon appétit!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O QUE OS OLHOS NÃO VEEM, O PALADAR SENTE

“Dans le noir” (No escuro) é um restaurante parisiense criado a partir dos conceitos da exposição “Diálogo no escuro” (montada desde 1988 em um bocado de países), em que os participantes são orientados por guias com deficiência visual, em um ambiente escurecido. No Dans le noir o jantar é completamente às cegas e os comensais têm, assim, o paladar desafiado. Uma experiência sensorial, no mínimo, curiosa e, sem dúvida, tentadora. Perceber os gostos, os cheiros, as texturas sem a santa ajuda da visão deve ser intrigante e um tanto quanto sensual... É mergulhar nu em um belo lago desconhecido, eu diria. Os menus surprises são propostos por um chef e um perito em vinhos e os clientes estão sempre sob a orientação e os cuidados de pessoas cegas. Quem já aprendeu que uma boa experiência vale mais que uma longa conversa fiada, é só procurar o famoso restaurante na capital francesa (Paris IV), em Londres, Barcelona, NY ou Kiev, e aproveitar ao máximo o simpático escurinho... Todo mundo sabe que goiano vê com as mãos e come com os olhos. Fico aqui, me imaginando, goiana que sou, quase em pânico diante da abstinência visual. O Dans le noir ainda não me pegou, mas está quase. É uma questão de tempo. Depois conto tudo o que vi, digo, o que não vi e sobretudo o que senti no escurinho do restaurante. Fica aqui a ideia: uma refeição de olhos vendados, pra fazer com os amigos mais corajosos. Escolha um menu divertido, com ingredientes originais que lembrem um país específico. Faça, por exemplo, uma entrada mexicana, seguida por uma especialidade marroquina com acompanhamento francês, e finalize com uma sobremesa italiana. Ou ainda, cada participante leva um prato surpresa para ser degustado por todos e quem conseguir identificar o maior número de ingredientes vence o desafio. Prepare comidas que dispensem o uso de talheres ou use somente colheres (nem preciso dizer o motivo). Abuse de aromas como o do café, do chocolate, da baunilha, das especiarias, das frutas cítricas. Mas não abuse dos convidados, incrementando demais os pratos e criando uma confusão dos diabos e pelamordedeus não me venha com 'espuma de champignons' que já é um horror comer (ou beber, sei lá) de olhos bem abertos, imagine no breu. E não convide ‘gatos’, eles enxergam no escuro, vão trapacear. Treine antes fazendo outras coisinhas na escuridão total, pode ser bem interessante.
Bon appétit!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"NUNCA IMAGINEI UM DIA"

“Nunca imaginei um dia” é o título de umas das crônicas da Martha Medeiros, publicada em 27 de dezembro de 2009. Trata-se de como nos orgulhamos bestamente em dizer “eu jamais vou fazer isso” ou “nem morta eu faço aquilo”. Ela fala de como essas frases podem limitar nossas chances de experimentar o novo e nos privam de emoções. Ela conta, ainda, como foi difícil recomeçar um relacionamento com alguém totalmente diferente dela sem deixar de ser ela e que abrir o leque de possibilidades é um exercício que amplia nossa visão de mundo. Mulher sabida. Já faz um tempo libertei-me dessas frases e a vida tem sido complacente comigo, generosa mesmo. Nunca imaginei um dia escrever sobre comida, voar de balão, saltar de pára-quedas, atravessar o Atacama, ver um arco-íris no deserto de sal na Bolívia e o pôr-do-sol caramelo nas dumas marroquinas, nem 'sentir' os campos de lavanda da Provence; fazer o caminho de Compostela a pé foi quase um milagre e outros ‘milagres’ aconteceram... Ver as crias das minhas crias talvez seja o maior deles. Mas certamente ainda há um bocado de ‘nunca imaginei um dia’ pra levar a cabo: convidar o Paulo Ricardo (é, to falando do cantor) pra jantar e ele aceitar; cozinhar com destreza lagostas, lulas, polvos e outros bichos estranhos do mar; fazer um safári na África e dar uma volta gastronômica ao mundo; sair nas páginas centrais da Playboy (calma,é brincadeira), aprender a cantar e a gostar de ginástica e por aí vai... Mudar é próprio do ser humano. Aceitar que as coisas mudem, também. Mexer-se é sentir-se vivo. Experimentar e escolher é o que nos molda... As festas de fim de ano estão pra começar. Lá vem tudo de novo, tudo igual: ceia de Natal e o peru pagando o pato; tender, farofa de ameixa, nozes pra quebrar, champagne pra estourar, rabanadas pra engordar; presentes pra comprar; roupa nova pra virada do ano (qual é mesmo a cor da calcinha pra receber 2012?). Queria mesmo era fazer um Natal à la Jesus Cristo, com fartura de amor; e quando a fome apertar, comer pão com azeite, azeitonas rechonchudas e frutas secas; um carneiro assado com figos pra comer de joelhos (aproveite pra rezar e agradecer) e vinho, água, vinho, água... Pra quê mais? Parafraseando a Martha: já que é pouco provável que 2012 seja diferente de qualquer outro ano, que a novidade sejamos nós. Não é lindo isso? Surpreenda-se sempre. Bon appétit.

PRATO INTERROMPIDO

Que ninguém me interrompa enquanto escrevo.
Interromper é romper no meio, é interferir ou ferir no meio de uma ação. É romper, ferir, rasgar, desmanchar o que foi começado. Uma interrupção está frequentemente associada a algo negativo. Uma reunião, uma conferência, uma viagem, uma conversa decisiva, uma piada engraçada, uma transa apaixonada; o sono reparador, um filme, um concerto, um tratamento importante, um sonho bom; e uma pá de coisas boas, quando interrompidas, geram frustração e desconforto. O silêncio vital, rompido, é quase um golpe fatal. Até xixi interrompido vira transtorno. Porém, uma interrupção pode salvar sua vida, um assalto interrompido, por exemplo. Agora imagine o preparo de um prato gostoso interrompido... Na véspera desse polêmico (?) 11.11.2011 encontrei um velho conhecido perdido de vista. Ficamos felizes com o reencontro. Há uns quinze anos, sei lá, começamos um prato em uma cozinha improvisada no shopping mais antigo da cidade. A confecção da refeição foi interrompida por uma série de motivos que acho desnecessário listar agora. Fomos afoitos. Tivemos coragem demais e experiência de menos. E é claro que uma fórmula dessas só podia dar em nada, ou quase. Mas aqui se faz, aqui se paga. Cá estamos nós, de novo, mais maduros (logo,mais doces, como as frutas?), debochando do ‘erro’ cometido, rindo das armadilhas mundanas, das teias tecidas pelo tempo. Ah, meu caro Pierre, nosso baião de dois destemperou, passou do ponto, desandou. Seguimos rumos diferentes. Só não foi em vão porque esse mundinho é mesmo uma ervilha: é miúdo, rola pra lá, rola pra cá e mostra que algumas coisas ainda estão no mesmo lugar, ficaram ali, engavetadas. Sei que você é ‘bom de arroz’ e se também for ‘bom de feijão’, um novo baião de dois pode dar o que falar. Aqui vai a lista de tudo que você vai precisar. Seja criativo. Providencie 500gr de feijão verde ou mulatinho ou fradinho, 1 xíc. de coentro ou salsinha picados, 2 xíc. de arroz lavado e escorrido, 1 pimentão vermelho picado, 1 cebola grande picada, sal quanto baste. E não se esqueça da manteiga de garrafa, amarelinha e brilhante, pra untar tudo e unir ainda mais os sabores na panela. A propósito, se precisar de uma panela, conte comigo, tenho uma perfeita. E a pimenta pode deixar que eu levo.
Bon appétit!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

FELIZ POR TUDO

Tenho uma amiga meio debochada que diz que não posso ver um ponto vermelho no calendário que lá vou eu, de mala e cuia, rumo a um destino qualquer. Exagero dela. Mas não se pode negar que ninguém como o brasileiro pra emendar dias úteis com um feriado nacional, de preferência bem no miolo da semana, e tecer o popular feriadão, aproveitar a folga inventada, apertar os cintos (em todos os sentidos) e decolar. Confesso que gosto de voar e gosto de aeroportos. Esse frenesi caoticamente organizado (às vezes nem tanto) me assombra e me diverte. Pois bem, mala e cuia despachadas, só me resta dar uma corridinha pra primeira livraria que pintar (em muitos aeroportos, a única). Experimente viajar sem levar livros de casa, só pra ter uma boa desculpa pra comprar algo novo. Há sempre um livro à nossa espera por aí, eu garanto. Como você pode adivinhar, fui direto para as prateleiras de livros sobre comida. Dei uma espiadela, mas nada me fez salivar ou me abriu o apetite, nada que valesse a pena abrir a bolsa. Mais uma voltinha, feito ritual de magia, em torno da pilha central dos mais vendidos e dei de cara com um livro da Martha, não uma Martha qualquer, aquela que diz que somos todas Doidas e santas, a do Divã, a que fala das Coisas da vida, a De cara lavada, a mesma do Topless, sabe? Pois é, a senhora Medeiros também é Feliz por nada. Comprei o livro. Recheado de crônicas leves e gostosas, Feliz por nada, mostra que somos o que somos, um bando de imperfeitos bem-intencionados (ou não) e que o melhor lugar pra se estar, independentemente das circunstâncias, é dentro de um abraço. Abri o livro, ali mesmo, na sala de embarque, feliz da vida, feliz por tudo, feliz de graça. Li a primeira, comecei a segunda: Quando Deus Aparece. “Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós.” Fiquei ali, lendo, num chororô por dentro, discreto, mas incontrolável, sentindo e aproveitando mais uma aparição de Deus, desta vez nas palavras da Martha. Tentei segurar as lágrimas, quase consegui; prolongar o deleite do momento, em vão. Anunciaram meu voo. Como pensar em comida em uma hora dessas? Só consigo pensar em doçura, em anjos humanos ou não. É isso aí, vou fazer o Pudim dos Anjos (pra você, Martha), com 1 cx. de maria-mole de coco, 200ml de leite de coco, 1 lata de leite condensado, 1 cx. de creme de leite e 2 ovos (se quiser). Dissolva a maria-mole em 1 xc. de água fervente. Coloque tudo no liquidificador e bata bem. Despeje numa forma para pudim, previamente caramelizada, e leve à geladeira por, pelo menos, 4 horas. Incremente com o que seu coração pedir. Bon appétit.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

RECHONCHUDA, CHEIROSA, GOSTOSA

Cozinheiro perspicaz cozinha com os produtos da estação. Escolher o que se tem em abundância nas feiras e nos mercados é meio caminho andado para o sucesso de um prato. Basta parar, olhar, cheirar, tocar, provar (as provinhas em feiras são um deleite!) e decidir, depois, o que levar. Estamos em outubro, as chuvas estão vindo pra encorpar nossas frutas e encher nossas casas de cor e frescor. Mal posso esperar para ver prateleiras abarrotadas da mais exótica das frutas, a manga. A minha eleita é a manga rosa, por sua casca lisinha de cor vibrante, seu perfume singular e delicado e a textura macia de sua polpa carnuda e gostosa. Comer uma manga rosa madura é quase cometer o pecado da luxúria e comer um monte delas, aí sim, sucumbimos também àquele da gula. Quem se importa... Queremos mesmo é prazer, energia, vitalidade e poesia. Queremos saúde. O resto é balela. As frutas nos dão muito de tudo isso. É a natureza sabida que nos oferece aquilo de que precisamos em cada época do ano. As mangas são vitaminadas, combatem a desnutrição e os radicais livres que nos enferrujam e corroem nossas células. Mas você acha que é por isso que nós as comemos? Comemos porque são lindas e gostosas e salivamos ao vê-las; comemos porque nos enchem de prazer. A natureza é assim para tantas outras coisas... Abasteça sua fruteira e delicie-se com esse Sorbet de Manga. Com a manga consegue-se o mais delicioso sorbet graças a sua consistência aveludada e macia. Use o suco de 1 limão, suco de ½ laranja, 115g de açúcar refinado, 2 mangas rosa grandes e maduras, 1 clara batida. Misture os sucos com o açúcar. Reserve. Faça um purê com a polpa da fruta usando o liquidificador ou o processador. Transfira para uma vasilha grande e junte os sucos. Acrescente a clara batida. Coloque tudo em um recipiente próprio para freezer com profundidade suficiente para permitir bater a mistura outras vezes. Cubra com filme plástico para que congele por igual. Deixe no freezer por cerca de uma hora e volte a batê-la para obter uma textura ainda mais suave e homogênea. Cubra e devolva o recipiente ao freezer por mais uma hora. Repita o processo mais uma ou duas vezes e deixe congelar por completo. Retire do freezer 5-10 minutos antes de servir para ficar cremoso. Se quiser, enfeite com fatias finas de manga e calda de framboesa. Bon appétit.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

RELACIONAMENTOS SÃO COMO SUFLÊS

Quando li: “O autor nasceu para escrever sobre qualquer coisa ligada à gastronomia. Esse livro arrebatador sobre comida, e sobre a vida, foi uma deliciosa surpresa.” “Uma história inspiradora sobre como recolher os cacos com uma espátula de cozinha!” Não hesitei. Comprei o livro. Se você é como eu, gosta de histórias de forno e fogão, encontros e desencontros, também compraria. Aliás, compre-o se quiser. Pode ser que o problema esteja comigo e a chata seja eu, e não Bob Spitz, o autor de Aprendiz de cozinheiro. A obra não é ruim, mas também não sei dizer o que ela é. Os parágrafos longamente descritivos me fizeram saltar centenas de linhas para passar logo de um capítulo a outro. Submeti-me até a perder alguns dos valiosos segredos extraídos de muitos mestres cozinheiros. Fiquei semanas, empacada, na página 106 de um total de 355 (sem contar os agradecimentos) e decidi que a partir dali ia ler somente o início e o fim de cada página e pronto, só pra não deixar inacabado o que havia, antes cheia de entusiasmo, começado. E foi assim que cheguei às ‘breves palavras finais’ do autor. Fui, porém, deliciosamente surpreendida pelo último parágrafo: “... qualquer relacionamento, nessa etapa avançada da vida, é como um suflê. Precisa dos ingredientes certos para se começar, de muito cuidado amoroso, e da consciência de que se tem de trabalhar muito nele para que o ar possa sair. Se não, como qualquer idiota sabe, tudo o que se consegue é uma sopa.” Parei pra pensar. Eis uma verdade: relacionamentos são como suflês. Não sou boa com suflês. Será que também não sou boa com relacionamentos!? Tenho que fazer um suflê! Fui em busca da receita que me livraria do ‘feitiço’. Achei uma relativamente fácil. Vou testá-la, vai que... Soufflé au fromage (suflê de queijo do Olivier): 150g de queijo gruyère ralado fino, 60g de manteiga, 40g de farinha, 400ml de leite, 4 ovos, noz-moscada, sal, pimenta e páprica picante. Derreta 40g de manteiga em uma panela, junte a farinha e misture. Cozinhe por 2 minutos. Junte o leite quente aos poucos, mexendo sem parar e cozinhe por mais 7 minutos. Tempere. Adicione o queijo ao molho e misture. Retire do fogo. Unte uma forma para suflê e aqueça o forno a 200°C. Separe as gemas das claras. Bata as claras em neve com uma pitada de sal. Deixe o molho esfriar e junte as gemas e as claras em neve, misturando delicadamente, de cima para baixo. Coloque a massa na forma e leve ao forno por 30 minutos ou até estar crescida e dourada. Sirva em seguida. Bonne chance. Bon appétit.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

MELANCIA TRÔPEGA

É verão, e verão sem melancia perde um bocado da graça. Sou ‘Magali’ por melancia, mas a menina gulosa que mora em mim já beira os cinquenta, e nessa idade, meu amigo, pode-se um monte de coisas, permite-se muito mais. É o encanto de vários verões acumulados, acredite! Agora, parcimônia fica pra quem ainda precisa dela, pra quem ainda tem a voz embargada, pra quem acha que não pode errar; pra quem rotula e quem se enquadra; pra quem ainda não aprendeu a rir de si mesmo. O tempo é um mestre sábio, mas exigente demais. Tinha, graças a Deus, que ter algo pra compensar os tropeços, as panes do corpo. É a doce rebeldia da maturidade que brota, sabe-se lá de onde... A vida rolando lá fora e eu, aqui, falando da frutona; e nem é a primeira vez que reparto esse assunto com você. É que nunca é tarde pra melhorar o que já é bom. As frutas são assim, absurdamente boas. Outro dia, vi uma reportagem no JH que catalogava as frutas, com ajuda de um especialista, por faixa etária. Adolescentes, moçoilos e moçoilas até os 19 devem devorar maçãs, morangos e açaí pra prevenir a anemia e a obesidade e ‘sarar’ a musculatura. Dos 20 aos 29 anos, a ordem é comer abacate, abacaxi e a bendita melancia que ajudam na regularização do colesterol, como digestivo e atuam na prevenção do câncer de mama e da próstata. Dos 30 aos 39, coco, pêssego e uva reduzem o colesterol. Dos 40 aos 49, dá-lhe caju como diurético, ameixa contra as doenças intestinais e melão que socorre na perda de peso. Chegar vivo e bem aos 50 já é bom demais e até os 59, nunca dispense uma boa manga que previne a desnutrição, a jabuticaba pra reter menos líquido e a pera, sei lá pra quê. Depois dos 70 (tomara que eu ainda esteja por aqui), é a vez da goiaba e da cereja, boas para a circulação e eficazes contra o reumatismo; e as uvas que garantem a longevidade e blá blá blá... Se você reparar, nada foi sugerido dos 60 aos 69. Pois bem, vai aqui uma dica que vale também a partir dos 18. A Melancia trôpega. Compre uma melancia média e madura, lave-a, seque-a. Faça um furo no centro dela com um boleador de frutas. Introduza todo o cano de um funil no orifício e vá regando, aos poucos, com a melhor vodka que tiver. Faça isso durante dois dias (conserve-a na geladeira) e sirva em fatias, no início ou no final da refeição... Ah se ela pudesse, rolaria toda trôpega, feliz da vida, feito gente que saiu da linha, que perdeu o eixo, que se deixou levar. Valha-me Deus, que delícia! Bon appétit.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

ESTÔMAGO

Imagine um conto de fadas para adultos, no gênero do filme francês ‘O fabuloso destino de Amélie Poulain’ e dirigido por Almodóvar... O resultado seria, no mínimo, surpreendente!
Pois é. Estômago é bem isso, “uma fábula nada infantil sobre poder, sexo e gastronomia.” E que diabos eu andei fazendo pra nunca ter ouvido falar antes dessa beleza de filme nacional? Imperdoável. A obra, dirigida por Marcos Jorge, é simplesmente imperdível! Um misto de comédia e drama, em um contexto cru, quase cruel, salpicado de verdades amargas, outras ardidas, outras doces, todas tão, tão reais... O nordestino Raimundo Nonato (interpretado divinamente por João Miguel) acabou de chegar a SP, sem dinheiro e sem endereço (até aqui, uma história banal, quase um clichê). A coisa começa a mudar quando ele consegue um trampo em um boteco medíocre da capital e descobre sua verdadeira vocação: a culinária. A reputação de suas coxinhas espalha-se pelo bairro e nosso ‘herói’ é contratado para trabalhar em um restaurante italiano. Ali, Nonato digere, sabiamente, cada um dos ensinamentos sobre a arte de cozinhar. Aprende sobre ervas, gostos, bebidas, cheiros; aprende a doar-se enquanto cozinha. A essa altura, o tempero do amor já perfuma suas noites com Iria (a talentosíssima Fabiula Nascimento), uma prostituta pra lá de gulosa. Paralelamente a essa história, cenas do cotidiano de Nonato, em uma prisão, nos levam a crer que ele cometera um crime... É na cela que seus dotes culinários fazem com que ele transforme seu destino (e o destino dos outros detentos). Prisioneiros e aprisionados pelo estômago, todos são bandidos e vítimas em uma sociedade com base nas relações de força e poder. Ri, salivei tantas vezes, estarreci-me, tive até que 'ter estômago' para algumas das cenas e como valeu a pena! Um filme vibrante, inesquecível.
Escolhi uma receita do filme que retrata o amor, já que o ódio anda solto por aí. Romeu e Julieta com gorgonzola, já provou? Corte fatias grossas de goiabada cascão e depois modele pedaços menores com aro de alumínio na forma que quiser (coraçõezinhos ficariam lindos). Faça o mesmo com o gorgonzola. Sirva como sobremesa, intercalando o doce e o queijo, sobre um prato bonito. Bon appétit.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

VAI ROLAR UM ARROZINHO?

“Um grão com uma capacidade extraordinária de se adaptar ao meio: pode ser cultivado abaixo do nível do mar e em altitudes de três mil metros; resiste ao calor e ao frio; sobrevive em regiões com umidade abundante e em outras com um índice pluviométrico mínimo, marcadas pela seca e a erosão do solo. Assim é o versátil arroz, alimento dos mais consumidos no Brasil e no mundo...” São palavras de Orlando Diniz, Presidente do Conselho Regional do Senac Rio. Arroz é o assunto do sétimo volume, um livro es-pe-ta-cu-lar, da coleção Aromas e Sabores da Boa Lembrança, uma combinação que deu certo entre o Senac Rio e a Associação dos Restaurantes da Boa lembrança. E eu que, vergonhosamente, ainda não conhecia a ARBL, fui me informar. A ARBL é uma associação cem por cento focada na alegria gastronômica e visa à ‘integração da diversificada culinária’ brasileira. Ela organiza jantares especiais, festivais de comidas e bebidas; incentiva o turismo nacional, promove congressos... Tudo isso com o intuito de deixar gravada ‘a boa lembrança’ na memória gustativa daqueles que desfrutam dos pratos dos restaurantes filiados. A ARBL está presente no DF, no sul, no sudeste, no norte e no nordeste do Brasil, mas parece que por essas bandas, nenhum restaurante ainda se filiou, por que será? Voltemos ao nosso cereal sagrado. Brasileiro é doido por arroz. Tem sempre que rolar um arrozinho pra refeição ser completa. Que não me privem dele, pois eu perderia um bocado da graça de viver... Outro dia, vendo um filme medíocre e previsível sobre um homem e uma mulher que se veem isolados em uma ilha depois de um acidente de avião, pensei: que comida me manteria viva e feliz se tivesse que me isolar e me privar de quase tudo? Nem pestanejei: arroz e banana. Imagine os dois em uma única receita! Anote, faça, convide os amigos e sejam felizes! Esse Risoto de banana com açafrão é absurdamente simples e simplesmente irresistível! Providencie 1g de açafrão (4 envelopes de 0,25g cada), 200ml de vinho branco, 50ml de azeite, 1 dente de alho socado, 1 cebola picada, 200g de arroz arbóreo (até com arroz comum fica bom), 1 banana-da-terra cortada em cubinhos, sal, pimenta do moinho, 1,5 litro de caldo de legumes, 50g de manteiga, 30g de parmesão ralado. Misture o açafrão ao vinho. Reserve. Esquente o azeite em uma panela de fundo grosso. Doure a cebola e o alho. Junte o arroz e a banana, refogue, coloque o sal e o vinho misturado ao açafrão. Coloque o caldo aos poucos sem parar de mexer. Com o arroz cozido al dente e ainda molhado, junte a manteiga e o parmesão. Bon appétit.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

'RUBICUNDA COR'

Neste vinte e nove de setembro comemorou-se o Rosh Hashaná ou Rosh Hashanah ou Roshe Shana (já vi escrito de tantas formas que não me questiono mais; perdoem a ignorância), que em hebraico quer dizer ‘cabeça do ano’, o ano novo no judaísmo. No início da noite, como manda a tradição, alimentos carregados de simbologia são servidos aos familiares e convivas para acolher o novo período que se inicia... Fatias de maçã banhadas em mel representam um ano doce e ameno; comer a cabeça dos peixes nos predispõe a começar um ano bom com a ‘cabeça’, a parte mais elevada do corpo; a rosca trançada simboliza a união dos povos; e a romã, ahhh a romã... O que dizer desse fruto milenar, encantador que traz, em suas entranhas, fragmentos da história da humanidade? Nativa da Pérsia Antiga (Irã) há mais dois mil anos antes de Cristo, foi levada pelos fenícios para as regiões do Mediterrâneo... A romã aparece nos textos bíblicos e está sempre associada à fertilidade. É o símbolo do amor e da fecundidade para os gregos que consagraram a romãzeira à deusa Afrodite, por acreditarem em seus poderes afrodisíacos. Para os judeus a romã tem um profundo significado religioso. Seria pelo fato de cada romã possuir 613 sementes, o que corresponde ao número exato de provérbios judaicos existentes na Tora? Não sei. O que sei mesmo é que sob uma casca dura e seca, surgem sementinhas brancas cobertas por uma polpa vermelhíssima e brilhante, suculenta e doce. Se isso não for uma criação divina...
E ela chegou até nós através dos portugueses.
“Abre a romã, mostrando a rubicunda cor, com que tu, rubi, teu preço perdes...” Luis Vaz de Camões/ Os Lusíadas. Coisa mais linda! Nossa fruta sagrada realça qualquer prato, doce ou salgado. Experimente em saladas, carne de cordeiro, aves, cuscuz de sêmola de trigo... Eu simplesmente corto-as ao meio, seguro firme a fruta acima da comida que vou servir, bato energicamente na base com uma colher de pau e uma ‘chuva de rubis’ cai sobre tudo, enriquecendo ainda mais o prato.
Bon appétit!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

VIN AIGRE

Ao líquido ácido obtido através da oxidação do etanol encontrado em bebidas alcoólicas, deu-se o nome de vinagre. A palavra ‘vinagre’ vem da palavra francesa ‘vinaigre’ que por sua vez vem da junção de duas outras: vin (vinho) e aigre (ácido). O vinagre comum, de consumo popular é produzido a partir de diversos líquidos com teor alcoólico, como os vinhos, a cidra, as bebidas de arroz... É um processo cuidadoso de fermentação e é certamente um produto presente em quase todas as cozinhas do mundo. Porém, meu xodó é o vinagre balsâmico, que reina absoluto na minha cozinha. O vinagre balsâmico é um produto distinto, singular. As características aromáticas adquiridas durante o processo de elaboração fazem dele, único. Sua história começa na região de Modena, na Itália, onde se produz vinhos com baixa graduação alcoólica, ideais para a produção do vinagre. O vinagre balsâmico nasce da fermentação alcoólica e acética do mosto da uva Trebbiano, cozido em fogo direto até que o volume inicial do mosto seja reduzido a 20 ou 30%. É aqui que a coisa começa a ficar doce... A parafernália para a elaboração do balsâmico é fenomenal e eu pouco sei sobre as etapas da ‘gestação’ desse refinado condimento. Mas sei muito bem o que fazer com ele depois de prontinho, pode apostar! Semana passada, um amigo me presenteou com o tradicional balsâmico de Modena, com aroma de figo, da conceituada Oliviers & Co. Divinamente delicioso! Negro, encorpado, denso, cheiroso, ácido sem passar do ponto, doce como tem que ser e cheio de personalidade (ainda é do balsâmico que estou falando, juro). Provei puro (quando muito envelhecido é consumido sozinho no final da refeição, em uma colher de porcelana, como elixir ou digestivo); com salada verde, com salada de quatro tomates; com frango, com carne de porco; com morangos e como calda para sorvete de creme... Impossível errar com um condimento desses! Nem preciso dizer que o vinagre balsâmico, esse caramelo dos deuses, contém antioxidantes e flavonóides, que nos mantêm jovens e protegidos contra os males do coração. Procure saber mais sobre sua incrível história e apaixone-se! Afinal, tudo indica que apaixonar-se também é um santo remédio... Bon appétit!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

MIMOS

Minha amiga Gigi foi passear no Canadá. Já voltou e me trouxe um bocado de mimos. Minos que posso comer, claro. Ela me conhece. Ganhei uma pequena coleção de mélanges pour trempettes que são, basicamente, ervas e hortaliças finamente picadas e desidratadas que misturadas com azeite, ou iogurte natural, ou creme de leite fresco batido, ou a uma boa maionese ou com a melhor manteiga que você puder achar, viram cremes espessos e macios, molhos aveludados, cheios de cor e sabor onde podemos mergulhar bastonetes de pepino, de pimentão (evite o verde), ou de cenoura crua; pedacinhos de pão torrado, rodelas de rabanete fresco ou o que você bem quiser... Tudo, assim, levado à boca com as mãos, o que nos permite lamber, discretamente (ou não), os dedos, só pra aumentar o prazer. Por puro prazer... Dedos são pinças naturais. O côncavo da palma da mão vira tigelinha quando necessário for. Mãos falam, fazem, castigam, afagam... Elas podem tudo (ou quase). É o pedaço mais sexy do corpo, pode apostar! Voltemos para os mimos que é de onde meu pensamento não deveria ter saído. No pacote veio também um incenso pra lá de original (mas isso é outra história); e mais uma latinha de sirop d’érable, que em inglês é maple syrup e que depois descobri ser em português, o ‘xarope de bordo’, uma espécie de seiva da árvore do gênero Acer, típica do Canadá. A seiva, extraída das árvores do mesmo jeitinho que o látex é extraído da seringueira, é fervida para que ‘concentre’, antes de ser consumida. No início da primavera canadense, as Cabanes à sucre, que são casas especializadas em receitas com o delicioso sirop, são abertas ao público. Posso imaginar... O xarope de bordo é um produto naturalíssimo, rico e, sobretudo único, pois sua cor e seu sabor variam com o caminhar da estação. Seu gosto doce e suave, ligeiramente defumado, nos remete ao ‘melaço de cana’, porém menos denso, mais dourado e brilhante. Seu uso na culinária é vastíssimo e ele enriquece pratos doces e salgados; ajudam na caramelização de carnes e legumes; com frutas, crepes, bolos e sorvetes fica divino... Já experimentei de um monte de maneiras e até fiz uma manteiga com ele. Vou te ensinar: use 120gr de manteiga (usei a Bridel); bata com um batedor manual para que adquira a consistência de pomada e misture com 2 colheres (sopa) bem cheias de xarope de bordo. Junte um bocadinho de alecrim bem picado e leve à geladeira. Sirva sobre torradas e delicie-se!
Bon appétit!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

INEFÁVEL GOSTO

Não faz muito tempo, um amigo e eu conversávamos sobre a complexidade das palavras. Falamos de palavras fortes, de outras insossas; falamos da graça e também da feiúra de outras tantas... Empacamos em inefável e a conversa rolou solta. Esse adjetivo carrega em cada sílaba uma espécie de força leve, uma intensidade terna. É uma palavra inteira, íntegra e dispensa complementos. Inefável, que quer dizer encantador, inebriante, indizível, é um termo usado para identificar algo de origem divina, sagrada, transcendente; é aquilo que não pode ser expresso em palavras; é o indescritível. E é de pronúncia agradável. Experimente recitá-la algumas vezes! As perguntas não tardariam. O que é inefável pra você? Que gosto é inefável? Perguntou meu amigo. Tive que pensar um bocado antes de responder. Fiquei atônita com a quantidade de ‘coisas inefáveis’ à minha volta... Ora, inefável é o orgasmo e cada um tem o seu; inefável é respirar; parir é inefável; a compaixão também o é; o cheiro de cada um dos filhos, o sorriso aberto de uma criança banguela, banho de chuva, flocos de neve, (re)ver nossos filhos nos filhos deles, tudo isso é inefável; inefável é uma passadinha de mão, discretamente atrevida de um italiano desconhecido e safado; saber, de algum modo, que se tem uma alma é inefável; Deus é misteriosamente inefável; a saudade, nem se fala... A lista é longa, inefavelmente longa, mas vou tentar me limitar ao paladar. Penso no mel de abelhas, nos sabores da minha infância, em miolo de melancia vermelha madurinha, em sorvete de coco queimado, em banana frita, em farofa de ovo... Definitivamente, inefável é a inodora água pura, esse líquido incolor e insípido que nos mantém vivos. Inodora, incolor, insípida, inigualável, insubstituível água. O que lhe é inefável? Enquanto pensa na resposta, prepare ‘gostos’ para sua água para quando receber amigos ou faça quando quiser, afinal, dia especial é hoje, pois acordar também é inefável. Use jarras bonitas que comportem facilmente 1 litro de água mineral. Coloque em cada uma delas ‘sabores’ que surpreenderão os convivas. Mergulhe um ramo rechonchudo de alecrim previamente lavado, em jarra com água gelada e deixe-o ali por algumas horas antes de servir. Use hortelã no lugar do alecrim, se preferir; rodelas de maçã verde com casca, ou morangos lavados e cortados ao meio perfumam divinamente o líquido; lascas de casca de laranja (prefira as orgânicas) dão ainda mais frescor às águas gasosas... Bon appétit!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O BRUNCH FRANCÊS

Embora a renomada e austera Académie Française não engula a palavra inglesa brunch e evite à tout prix seu uso na língua francesa, os franceses são apaixonados pela ideia do brunch, digo, le grand petit déjeuner (o grande café da manhã). No brunch francês- esse delicioso café da manhã tardio ou almocinho antecipado- além de águas gasosas, sucos de frutas frescas, chás e café, dá até pra incluir algumas taças de champagne para brindar esse jeito informal de começar o dia. Entre uma conversa e outra (quase todas em torno do mesmo assunto: co-mi-da) belisca-se de tudo todo o tempo. O buffet montado com croissants, queijos, pain au chocolat, tartines, salmão defumado, omeletes com hortaliças, pães, rabanadas de brioche e a clássica sopa de cebola gratinada, nos faz comer antes com os olhos... O bom do brunch é que não há uma ordem específica para desjejuar. Come-se o que se tem vontade, o que o corpo pede ou o que ele precisa. Come-se porque é bom comer. Come-se. Quem teria parcimônia diante de tamanha volúpia gastronômica?
O brilho de um brunch francês está nas tartines que são fatias grossas de pão rústico, pão integral, pão azedo, ou qualquer outro pão ligeiramente torrado (contanto que seja de qualidade) que servem de leito para uma simples camada de boa manteiga, ou ovos mexidos, ou tomates assados, ou queijos ou o que sua imaginação mandar. As minhas preferidas são bem simples (ando com preguiça das coisas complicadas). Providencie 60gr de queijo gorgonzola, 2 peras cortadas em fatias finas, 2 colheres (sopa) de nozes picadas grosseiramente, pimenta moída na hora e 4 fatias de pão torrado. Espalhe o queijo sobre as torradas e junte as fatias de pera (antes, pingue algumas gotas de limão sobre cada fatia). Enfeite com as nozes e tempere com a pimenta. Minha outra paixão são os tomates assados balsâmicos servidos sobre fatias grossas de baguette fresca. Preaqueça o forno a 180 graus. Corte 12 tomates italianos ao meio e coloque-os em uma assadeira com a parte cortada para cima. Regue com 2 colheres de azeite e 1 de vinagre balsâmico. Rasgue metade de um maço pequeno de manjericão e espalhe por cima com 2 colheres de pinholes, sal e pimenta. Asse por 30 minutos. Sirva sobre o pão e decore com o restante do manjericão. Divirta-se e bon appétit!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

BRUNCH

Não é preciso ser um expert em inglês para perceber que brunch vem da junção de duas palavras inglesas: breakfast (café da manhã) e lunch (almoço). O tal brunch não passa de um almocinho antes da hora ou um grande café da manhã tardio. Refeição mais complacente- sobretudo com os notívagos- não há. Tem coisa melhor do que acordar tarde e desfrutar de uma refeição descomplicada, farta, fora dos padrões, fora da convenção das horas? É quase um atrevimento, uma rebeldia gastronômica. É uma contravenção culinária. Por isso é tão atraente. O brunch é sem dúvida uma tentação (à qual nunca tive a menor intenção de resistir). Esse jeito de comer, que tem se tornado uma mania mundial, deve ter surgido (as origens do brunch são vagas) no final do século dezenove na Grã-Bretanha e início de século vinte nos Estados-Unidos, com o brunch de domingo, que também tinha cara de piquenique quando realizado ao ar livre. Mais tarde, esse jeito informal de comer foi adotado por hotéis e restaurantes espalhados pelos quatro cantos do mundo... Aqui no Brasil, o café colonial, típico do sul do país, é um belo exemplo de brunch nacional, um colosso de refeição com uma infinidade de pães, bolos, broas, biscoitos, geleias, salada de frutas frescas, quiches, embutidos e queijos; tudo regado a chás diversos, sucos, café preto, leite cremoso, chocolate; e tudo coroado com mel, cremes, pudins, tortinhas doces... E outras delícias atadas ao quinto pecado original. Pecado mesmo seria abster-se de tamanho deleite, do sagrado prazer do gosto. A ordem é beliscar à vontade!
Outro dia fui ao aeroporto, surpreender um amigo que partia de Cuiabá; queria dar-lhe um abraço e dizer o quanto me faz bem revê-lo. Cheguei atrasada ou ele adiantou-se, sei lá. Pra compensar meu desassossego e não ‘perder a viagem’, comprei um livro sobre comida: Brunches para todos os gostos, uma gostosura de livro, recheado de receitas de comidinhas e bebidinhas boas. Essa Vitamina de baunilha vai abrilhantar seu próximo brunche com amigos. Para 2 porções, use 2 xícaras (chá) de iogurte de baunilha, ¾ de xícara (chá) de leite gelado e 60gr de chocolate ao leite ralado. Coloque o iogurte no liquidificador com o leite e bata até espumar. Derrame a mistura em uma jarra e misture o chocolate ralado. Sirva em seguida. Eis a versão líquida do sorvete de flocos, sem miséria de chocolate.
Bon appétit!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

FOME DE LÍQUIDO

Há dias não escrevo sobre comida. É que fome não tenho tido. Há dias não escrevo sobre nada. Sob um céu turquesa, em pleno inverno tropical, seco de dar dó, beirando os 40 graus, os miolos amolecem feito couve-flor na fervura... Melhor seria falar só do que se bebe. Período difícil para quem vive por essas bandas e outras tantas. As narinas secam, os olhos ardem, o corpo todo chora e pede água. Isso é mais que sede, é fome de líquido! É assim que estou de uns dias pra cá. Só quero comer o que vai me hidratar, o que vai me encharcar por dentro... Está na hora de correr pra horta (feliz é quem tem uma), pras feiras livres, pro melhor mercado da cidade e abarrotar a cesta de hortaliças, frutas, frutas e frutas... É sobre os alimentos ricos em água que vamos conversar. Esse corpinho- ou corpão- que Deus nos deu é composto por aproximadamente sessenta a setenta por cento de água. Em períodos de muito calor, o corpo transpira para tentar manter as coisas em ordem, para assegurar a temperatura habitual do organismo. É a natureza sabida fazendo o serviço dela. Não sejamos tolos e façamos o nosso, que é o de não deixar o ‘balde’ secar. Na nossa cozinha tem que ter limão, maracujá, laranja, caju, melão, morangos, uvas, pera, figo, manga, abacaxi e melancia, a fruta mais rica em água e a minha favorita. Essas frutas quando diluídas em água são as maiores fontes- literalmente- de hidratação. Abuse do tomate, do pepino, do aipo, do agrião e até da beterraba, se não tiver restrições. Mas fuja dos chás diuréticos, se puder; das bebidas cafeinadas, se conseguir, pois elas estimulam a perda de líquidos. Faça drinks (sem álcool, claro! Pelo menos por enquanto) com água-de-coco e pedaços de frutas congeladas. E coma banana, a melhor fruta do mundo, para repor o potássio que se vai no suor... Hoje fiz uma saladona com o que tinha ao alcance das mãos: repolho roxo fatiado, broto de feijão, beterraba cozida cortada em cubinhos, cebola roxa fatiada bem fininho, 3 ou 4 azeitonas pretas, tomates cereja, morangos cortados ao meio e temperei tudo com um molho suave feito com mostarda de Dijon, vinagre balsâmico de framboesa, óleo de canola, uma merreca de sal, pimenta rosa em grãos. Ficou deliciosamente vermelha, mero acaso. Adorei o resultado. Não fiz foto. Não deu tempo. Bon appétit.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O TEMPERO DA VIDA

Ontem vi um filme lindo que me fez entrar em estado de graça. Estou nele até agora... O tempero da vida é um filme inspirador, generoso, carregado de emoções diversas. Delicioso e divinamente humano. Uma refeição completa para o corpo e para a alma. Uma metáfora entre aperitivo, prato principal e sobremesa e nossa infância, nossa vida adulta e nossa velhice, nos permite refletir com sabedoria e delicadeza divinas sobre o breve roteiro de nossas vidas... É a história de um garoto de origem grega que vive com seus pais em Istambul, na Turquia. Fanis passa boa parte do seu tempo com o avô, proprietário de um pequeno comércio de especiarias e que tem sua própria filosofia culinária. O avô do menino ensina-lhe os segredos dos temperos e fala do laço invisível entre a astronomia e a gastronomia: ‘Pimenta aquece e queima, assim é o sol’. Ele aprende que as mulheres são doces e amargas como a canela... E que tanto a comida como a vida precisam de um pouco de sal ou perderão em sabor e encantamento. Avô e neto separam-se, mas Fanis leva na memória cada ensinamento de seu mentor e a cozinha da casa dos pais transforma-se em seu refúgio sagrado. O rapaz tornou-se um professor de astrofísica e aos quarenta anos depara-se com um momento crucial em sua vida... Vale muito a pena assistir para rir, chorar, pensar, salivar... Minhas almôndegas, por exemplo, não serão mais as mesmas. Elas terão outro gosto, terão mais gosto, mais alma e outras intenções... Aprendi a fazer almôndegas com minha mãe, talvez por isso nunca quis experimentar outra receita. A base para as almôndegas tradicionais é sempre a mesma: 500gr de carne bovina moída, 1 cebola bem picadinha (eu uso a roxa), 2 dentes de alho amassados, 1 pão francês amanhecido sem casca (umedecido e depois espremido) ou 3 colheres de sopa de farinha de rosca, 1 ou 2 ovos, sal, pimenta moída na hora, salsinha e cebolinha picadas. Junte todos os ingredientes em uma tigela grande e amasse bem com as mãos. Faça bolinhas e frite até dourar dos dois lados. Até aqui, nada de novo. Também já fiz almôndegas temperadas com uma colherzinha de cominho. Mas aqui mora o perigo e eu nem desconfiava. O cominho torna as pessoas introspectivas e fechadas. Melhor então trocá-lo pela intrigante canela, que provocará o efeito contrário, se quisermos que as pessoas soltem as amarras da alma. Isso é viver. Bon appétit.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

SÓ PARA 'ESCLARICER'

"Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu."- Amor à terra/ C.L.- Pois é. Costumo rechear alguns de meus escritos com palavras boas de Clarice Lispector. Se sou leitora de Clarice? Acho que não. Sou ‘escutadora’ de Clarice, pois tenho um amigo que sempre a lê para mim. Ele, sim, é leitor de Clarice e a lê com entusiasmo, sem egoísmo, em voz alta e clara, com ternura enquanto eu, eu preguiço. Quer maior prova de amizade?
Meu amigo é muito mais jovem que eu. E sempre o será. Isso é bom ou é cruel? Repare, a vida é cruel. Mas Clarice sabia achar também beleza e encantamento na crueldade (vou tentar fazer o mesmo)... Admirava o verde das florestas, o amarelo dos leões, as manchas das borboletas. Ela também bordava, tomava café com coca-cola para manter-se alerta, fumava quando não podia dormir, fumava quando podia, fumava... Prestava atenção no que lhe contavam os taxistas e outras pessoas simples e sabidas à sua volta. Clarice acreditava em Deus. Isso é bom. Percebia com clareza o que chamamos de vida. Tinha os cinco sentidos, e outros sentidos, tão apurados que via o invisível, tocava o nada, ouvia o silêncio, sentia o cheiro da morte que sempre ronda o que está vivo. Clarice degustava cada momento, fossem eles amargos ou doces. Nada lhe escapava. Quase nada lhe escapou... Quisera todos tivéssemos um leitor de Clarice por perto. Tenho sorte. E meu amigo ainda cozinha para mim. Faz um arroz tão bom que, de acompanhamento, vira prato principal. Será que Clarice gostava de arroz? Vou procurar saber. Por Deus, alguém desgosta de arroz? Eu minguaria sem. O arroz une, agrega, junta, aproxima. O arroz é convivial. É deliciosamente discreto... Incremente-o se quiser, como quiser e o quanto desejar, mas sua essência continuará humilde, serena e pacífica. Isso também é bom. A essência não pode ser mudada... Desfrute de todos os tipos disponíveis no mercado, do integral ao exótico arroz negro; do arroz vermelho que se come antes com os olhos; do arbório e do carnaroli, próprios para a cozinha italiana; do basmati, de aroma e sabor intensos, que nos remete à culinária indiana; do arroz especial para o ‘carreteiro’ de domingo em família e do velho e bom arroz branquinho de todo dia... Benditos sejam os arrozes que aceitam ‘maquilagem e perfume’ diferentes sem macular sua alma! Capriche e seja feliz! Bon appétit.

terça-feira, 5 de julho de 2011

“PAI, COMEÇA O COMEÇO!”

“Quando eu era criança e pegava uma tangerina para descascar, corria para meu pai e pedia: - ‘pai, começa o começo!’. O que eu queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, o mais difícil e resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava descascando toda a fruta para mim. Mas, outras vezes, eu mesmo tirava o restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia feito. Meu pai faleceu há muito tempo e há anos (muitos, aliás) não sou mais criança. Mesmo assim, sinto grande desejo de tê-lo ainda ao meu lado para, pelo menos, ‘começar o começo’ de tantas cascas duras que encontro pelo caminho. Hoje, minhas ‘tangerinas’ são outras... Lembro-me, então, que a segurança de ser atendido pelo meu pai quando lhe pedia para ‘começar o começo’ era o que me dava a certeza que conseguiria chegar até ao último pedacinho da casca e saborear a fruta... Quando a vida me parece muito grossa e difícil, como a casca de uma tangerina para minhas mãos frágeis de uma criança, lembro-me de pedir a Deus: ‘Pai, começa o começo!’. Ele não só ‘começa o começo’, como costuma resolver um pouco mais de toda a situação difícil para mim. Não sei que tipo de dificuldade eu e você encontraremos pela frente. Sei apenas que eu irei sempre me garantir no amor eterno de Deus para pedir-Lhe, sempre que for preciso: ‘Pai, começa o começo!’.”
São pedaços de um texto recheado de emoção que minha querida amiga E.T., Regina Velloso, me enviou. Desconhecemos o autor, mas como nos identificamos com ele! Gostei tanto que tenho que passar adiante, feito segredo de receita boa. Quem nunca pediu ao pai, à mãe, a um ente querido, a um amigo do peito pra ‘começar o começo’ de alguma coisa? Quão prazeroso era ter o começo começado! Era a segurança de que tudo daria certo até o fim... Quanto à tangerina começada, de roupa rasgada, seminua, era salivar diante da promessa do gosto. Era o pregosto enchendo a boca de prazer anunciando um gozo maior que não tardaria. Carnuda, doce, suculenta, refrescante, cheirosa e harta, a tangerina é uma fruta cheia de personalidade, inconfundível, espetacular! Seu suco é perfeito para molhos, enriquece saladas de frutas e compõe com delicadeza saladas de hortaliças... Faço, e você também vai adorar fazer, uma combinação de beterrabas cozidas cortadas em meia-lua e gomos de tangerina que acompanha carnes e aves divinamente. Experimente! Monte o prato intercalando a beterraba e os gomos e regue com molho suave à base de azeite, suco de limão siciliano, uma merreca de sal e grãos de pimenta rosa e depois me conte. É uma salada simples, linda e deliciosa. Bon appétit!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

DE MOLHO


Valha-me Deus, como alguns dias podem ser ácidos! Outro dia uma querida amiga me disse que estava “de molho”, tão forte era sua gripe. Respondi brincando que no caso dela, que é chef, “marinada” seria o termo mais apropriado. Esta semana, sou eu. Diabo de resfriadinho que vira resfriado, que vira sinusite, que vira gripe, que traz a dor de cabeça, a tosse, que inflama a garganta, esquenta o corpo, amolece os músculos, aniquila o olfato e mata de vez o apetite, qualquer apetite, todos eles. A vontade (se é que se tem vontades nesse estado) é mesmo de ficar de molho, aliar-se aos remédios, esperar o “bicho” morrer e resgatar aos poucos a saúde ferida. Passei a semana querendo colo, chá de mãe, caldinho leve, prontinho pra escorregar goela abaixo, sem esforço... Não tive colo nem chá de mãe (a minha não está mais nesse mundo), mas morrer de fome também não ia. Fui lenta e preguiçosamente pra cozinha, dia após dia... Segunda-feira, um caldinho de feijão com alho e pimenta me manteve viva. Na terça, foi um purê molinho com manteiga salgada que me sustentou. No meio da semana, uma panelinha de arroz basmati com meia-dúzia de dentes de alho, com casca e tudo, cozidos no arroz, espremidos e amassados depois pra virar um purezinho, me trouxe um alívio danado. Quinta-feira, mais repouso, mais comida reconfortante: sopa de legumes com caldo de galinha e açafrão... E a semana começada em preto e branco, ganhou uma corzinha, o nariz desentupido e o olfato de volta com o dom divino do gosto. Saúde é tudo! Fim de semana em família, um presente pra alma, pra compensar o desequilíbrio do corpo. Estou quase curada. Já tenho fome de comida de verdade. O sinal é bom. Estou virando vara de bambu que enverga, mas não quebra. Agora estão anunciando outra frente fria. Essa não me pega mais. Vou me fartar com bananas cozidas com especiarias que é um santo remédio e uma sobremesa que enche a gente de prazer... Providencie 2 bananas nanicas maduras por pessoa. Descasque e coloque-as inteiras em uma panela. Salpique canela em pó, açafrão, gengibre em pó e noz-moscada ralada. Coloque um quase nada de manteiga e um pouquinho de mel. Feche bem a panela sobre fogo baixo e cozinhe por 10 minutos aproximadamente ou até que as frutas amoleçam. Coma bem quente com uma bola de sorvete de creme. Delícia!
Bon appétit.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

SABOREANDO UM SONHO

Ontem eu tive um sonho. Um daqueles tão reais que ainda tenho, bem nítidos, alguns detalhes. Vou contar. Eu estava lendo uma revista, recostada em uma poltrona, quando uma criança miúda, um menino de oito ou nove anos, aproximou-se de mim trazendo uma posta de peixe grelhado sobre uma espátula e disse: “Coma e depois me diga o que eu aprendi hoje.” E o nosso pequeno diálogo desenvolveu-se mais ou menos assim: “Mas que peixe é esse?” Perguntei. E ele: “É salmão, não está vendo?” “E o que você sabe sobre o salmão?” Continuei. “É um peixe dos mares e rios europeus. Ele permanece na água doce até os três primeiros anos antes de nadar para o mar, mas para se reproduzir volta à água doce, muitas vezes ao mesmo rio onde nasceu. Ele serve de comida para outros peixes, ursos e gente.” “Estou vendo que você aprendeu a geografia e a história do bicho.” Ele insistiu: “Prove!” Provei. Ainda posso sentir o cheiro marcante de grelhado, o gosto salgado das bordas tostadas e o doce da carne rosa e macia do salmão. Estava tão bom que enquanto mordia, minha sequencia de hummms provocava uma alegria incontida no menino. Ele dava gargalhadas, feliz com minha reação positiva. Perguntei-lhe como conseguira preparar um peixe tão gostoso. “Li a receita, ora!” Respondeu-me de pronto. Ele continuava sorrindo, os olhos brilhantes fitados em mim. Concluí: “Hoje você também aprendeu a doar-se, a vibrar com a alegria do outro, a ter prazer em oferecer.” E ele se foi. Acordei. E o que será que eu tenho que aprender hoje? Ainda não sei. Por enquanto só estou saboreando meu sonho. Deu uma vontade doida de comer peixe, do jeito que mais me apetece: en papillote, que consiste em embrulhar um filet de peixe em papel-manteiga, feito um bombom, assar e servir assim, empacotadinho, pro freguês. Pego uma folha de papel-manteiga, passo um bocadinho de azeite, preparo uma caminha de vegetais (tomate cereja, abobrinha, pimentão, cebola ralada, salsinha...), deito o filet de peixe, tempero com flor de sal, pimenta moída na hora, rodelas de limão e rego com mais azeite. Fecho bem o “bombom”, coloco no forno pra assar por uns 15 minutos e pronto. Faço um pacotinho por pessoa, claro! Sirvo com arroz ou com cuscuz ou com fatias de pão italiano. Divino! Bon appétit!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

O SENHOR DOS CÍTRICOS










Outro dia folheando um livro lindo- O Brasil bem temperado- antes de dormir, li: “O limão-siciliano é o verdadeiro limão. As outras variedades são limas azedas. Originário da Pérsia, foi plantado na Sicília pelos Mouros.” Nunca havia pensado nisso. Fui atrás de mais informação. A história do “pai das limas azedas”, o senhor dos cítricos, me encheu de curiosidade. Confesso que nunca li tantos dados e datas desencontrados. Descobrir que sua origem é incerta me deixou ainda mais curiosa. Os primeiros registros datam de 3000 anos, nas florestas do Himalaia. Foi muito utilizado no início da Idade Média nos navios árabes e espanhóis como único remédio contra o escorbuto. O nome limão vem do italiano limone, do espanhol lima, do árabe laymûn, do persa limou. O termo lima teria sido mantido para designar o limão verde. Talvez aqui more toda a explicação ou toda a (con)fusão dos nomes do delicioso fruto.
Limão ou lima azeda? Melhor deixar pra lá e focar no que nos interessa: o que fazer com eles. E tem um montão de coisas boas!
Minha avó paterna dizia que em toda casa tem que ter milho (ela tinha um milharal no quintal), alho e limão. Sem os dois últimos, realmente, fico perdida, de mãos atadas. O limão é mesmo uma dádiva. Ele entra nas mais diversas receitas doces e salgadas. É um realçador do paladar sem precedentes. É insubstituível. Experimente fazer esse Creme de limão que pode ser conservado na geladeira, tampado, por 3-4 semanas e fica divino com frutas, tortas ou com o que você bem quiser. Misture, em uma panela antiaderente, 5 ovos batidos, 200gr de açúcar, 175ml de creme de leite fresco, raspas e suco de 3 limões lavados. Apure em fogo baixíssimo, mexendo sempre com uma colher de pau por 15-20 minutos, sem deixar ferver. Se preferir, cozinhe em banho-maria, mas fique sempre de olho na panela. Quando o creme atingir a consistência de maionese, apague o fogo e coloque em potes esterilizados. Deixe esfriar por 5 minutos antes de vedar. Depois deixe a conserva esfriar completamente e então guarde na geladeira. Depois de aberta, consuma em uma semana. É de arrepiar de bom! Bon appétit.

CALDO DE PINTO PRA ESQUENTAR

Tenho uma amiga que anda enlouquecida fazendo deliciosos brigadeiros-gourmet sob encomenda. E agora ela está pra lá de entusiasmada pra “gente” escrever um livro (isso quer dizer que eu vou escrever e ela vai me apoiar, esperta a moça!). Hoje ela me escreveu: “elma ve um dia ai q vc tem tempo e vamos começar colocar nossas ideias...se didi vagner escreveu sobre alguns lugares em nova york pq nós nao podemos escrever sobre nossos momentos gastronomicos...um cha de ibisco na arábia, o melhor grao de bico no jacob com um dono de virar a cabeça e fazer qq mulher comer alem da conta, ou nao comer...e por ai vamos..cafona?? as cafonices dão mais resultados.” E logo em seguida me enviou outro recado dizendo que em Porto Velho tem uma Sopa de pinto, deliciosa, que temos que fazer e colocar no tal livro. Pois bem, fui atrás do pinto, digo, da famosa sopa de pinto. Queria saber tudo e achar a melhor receita. Afinal, em se tratando de pinto, toda informação é valiosa. Achei Caldo de pinto. Segundo a Desciclopédia na Internet, o Caldo de pinto ou Caldim de pinto, como é carinhosamente chamado, é uma espécie de canja que deve ser tomada no inverno. Ela serve pra gente se esquentar e se livrar da gripe aviária, suína ou qualquer outro estado gripal desanimador. Sua origem é incerta, mas acredita-se que o glorioso caldo remonta ao homem das cavernas que colocou água para ferver (sabe-se lá pra fazer o quê) e que um franguinho que por ali ciscava, decidiu voar e pluft caiu bem no caldeirão de água fervente. E voilà, o homem das cavernas acabava de criar uma especialidade gastronômica: o caldim de pinto. Vale dizer que o referido homem era das cavernas de Minas Gerais, terra natal do prato... Confesso que jamais perdi tanto tempo com tamanha baboseira, porém como não só de pão vive o homem, melhor fazer a sopinha e rir dessa simpática história doida. Caldo de pinto combina com festa junina. Aproveite! Você vai precisar de 500gr de mandioca cozida (reserve a água), 500gr de peito de frango cozido e desfiado, caldo de galinha, 300gr de queijo mussarela ralado, 2 colheres de sopa de óleo, 2 dentes de alho amassados, 1 colher de sopa (rasa) de colorau, 1 lata de milho verde, cebolinha verde picada. Bata a mandioca no liquidificador com a própria água do cozimento. Em seguida, aqueça uma panela e coloque o óleo com o alho até ficar dourado. Junte o colorau e o “creme” de mandioca. Quando começar a ferver, acrescente o frango desfiado, o milho e o caldo de galinha. Deixe ferver mais um pouco. Sirva bem quente com queijo e cebolinha verde por cima. Bon appétit!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

COMENDO AMBROSIA ÀS COLHERADAS

Comendo ambrosia às colheradas foi o que escrevi no meu perfil, em uma rede social, depois de chegar de uma pequena viagem de carro que fiz pra conhecer uma fábrica artesanal de panelas. Comprei uma senhora gamela de alumínio batido, lisinho e brilhante de dar inveja a muita prataria por aí. Coisa de roça, coisa mais linda! Mas, foi na volta para Cuiabá, em um bazar às margens da estrada, que me deparei com o sonho de consumo de todo cozinheiro: as panelas de pedra-sabão, muito populares no sul do país e em Minas Gerais. Aproveitei pra escolher uma, descansar um bocadinho, me recompor com uma rechonchuda fatia de melancia fresca e comprar um potinho do melhor doce do mundo: a ambrosia mineira. Retomei a estrada, cheguei em cima da hora pra trabalhar, feliz da vida! E como dever cumprido merece recompensa, a minha já estava geladinha à minha espera. Foram deliciosas colheradas de ambrosia que coroaram meu dia e aliviaram meu cansaço. Pois bem, dois dias depois de ter escrito a tal frase no meu perfil (o que rendeu um bocado de comentários de cúmplices na gulodice), uma amiga me disse, indignada, não ter conseguido ler a crônica do referido título... Mas que crônica Maria Rosa?! Não escrevi nada. Só contei em rede social o que estava comendo! Rimos um bocado. Ela não se contentou: “Pena. Sua frase daria um belo título e eu adoraria saber mais sobre esse doce.” Não podia deixar uma amiga-leitora aguada de vontade. Eis a melhor receita que conheço da guloseima. Ambrosia significa “manjar dos deuses do Olimpo que traz imortalidade”, sabia? Aproveite! Providencie 5 litros de leite pasteurizado, 1 kg de açúcar refinado, 9 ou 10 ovos frescos, pedaços de canela. Coloque o leite, o açúcar e a canela em uma panela e mexa bem para dissolver o açúcar. Leve ao fogo por 30 minutos sem parar de mexer para não grudar. Bata as claras em neve e depois de firmes, junte as gemas e continue batendo até ficar homogêneo. Derrame os ovos batidos sobre o leite, abaixe o fogo e deixe cozinhar por 20 minutos. “Corte” em pedaços e deixe ferver por mais 10 minutos. Repita a operação, sempre em fogo baixo. Mexa de vez em quando para não desmanchar os pedaços e raspe o fundo e as bordas da panela para não grudar. Conte aproximadamente 2 horas, diante no fogão, de olho no doce. Depois de pronto, coloque em uma compoteira e sirva gelado. Se quiser e puder, coma às colheradas! Bon appétit.

PITACO

Agora até minha secretária anda dando pitaco nos meus escritos. Outro dia ela me viu diante do computador e mandou ver: “Você não acha que já está na hora de dar uma receita legal pras festas juninas?” Respondi que eu não funcionava assim e que não era muito de seguir a ordem cronológica das coisas. Mas, cá estou eu, reconsiderando o pitaco e obedecendo às datas. Devo estar mudando. Afinal, nem todo pitaco é ruim. Pitaco de chef, por exemplo, geralmente dá bons frutos e tem até nome: o pulo do gato. Pitaco de gente querida também merece consideração e é chamado de conselho. Já pitaco de estranho é intromissão mesmo. O pitaco da minha secretária vai render uma conversinha boa e uma comidinha especial... Pensei nos Pãezinhos de Santo Antônio, o santo mais popular do Brasil, padroeiro dos pobres e santo casamenteiro. Faça os pãezinhos com 1kg de farinha de trigo, 30g de sal, 80g de açúcar, 100g de manteiga ou margarina, 120g de fermento biológico, 4 ovos e 300ml de leite. Misture tudo e sove bem. Dê forma aos pães e deixe crescer até dobrar de volume. Asse em forno preaquecido a 200 graus, até dourarem. Tem também as Rosquinhas de São João, o maior de todos os profetas. Na Europa, no dia da festa do santo (24 de junho), era organizado um grande encontro social para que moças solteiras e rapazes de posses se conhecessem. Santo Antônio casava as moças pobres, mas era para São João que as moças ricas faziam “simpatias” para arranjar um bom marido. Providencie 1kg de farinha de trigo, 1 e ½ copo de óleo, 2 copos de aguardente, 1 e ½ xícara de açúcar, 1 fatia de pão amanhecido, erva-doce, chá de canela. Frite o pão duro no óleo. Reserve. Depois de frio, misture os outros ingredientes (menos o chá) e sove bem. Faça as rosquinhas e coloque-as em uma assadeira untada e polvilhada. Asse até dourar. Depois de assadas, molhe no chá e passe no açúcar cristal. “Na noite de São João, dê uma esmola ao primeiro mendigo que encontrar, junto com duas rosquinhas. Pergunte o nome dele, pois esse, segundo a lenda, será o nome do seu futuro marido.” Dizem que realmente funciona. Prefiro não arriscar, pois sou capaz de me apaixonar pelo próprio. Já ouviu falar em dedinho podre?
Boas festas juninas! Bon appétit.

terça-feira, 31 de maio de 2011

TANTA LIDA PRA POUCA VIDA

E a falta de tempo agora é moda. É chique não ter tempo e vergonhoso tê-lo. Estou perdida... “Infinito/ é o tempo de que preciso/ para cada coisa que faço/ são dez horas da manhã/ lavo/ com fé religiosa/ dois maços de alface/ a dimensão da atividade/ é pequena/ mas/ enquanto desfaço/ os rosários de bactérias/ dá tempo de pensar na vida/ dá tempo de pensar na morte/ e ainda muito mais/ ai daqueles que não pensam na vida/ ai daqueles que não pensam na morte/ ai daqueles que não pensam em nada.” (Dois maços de alface/ Lucinda N. Persona)
Ai de mim, infinito é o tempo de que preciso pra cozinhar, pra comer, pra pensar, pra escrever, pra sonhar... Infinito é o tempo de que preciso. São 15h50 de uma terça-feira. Aproveito uma pausa no trabalho. Paro para pensar na frase que ouvi de uma amiga e que me martela a cachola : “Pra que tanta lida pra pouca vida?” E lá se foi mais um bocado de minutos, de horas... E lá se vão dias, semanas... E passarão os anos. Infinito é o tempo de que precisamos. Infinito é o tempo que queremos. Em vão. Melhor mesmo é incrementar o presente e fazer do tempo, implacável e quase cruel, um aliado fiel.
Hoje é dia de enrolar na cozinha só pra gastar o tempo. Vou complicar porque quero, porque tenho tempo. Poderia comer as folhas de alface cruas, mas vou cozinhá-las como se fazia autrefois. Vou usar e abusar do tempo. Vou fazer Ervilhas à francesa. Coloco em uma frigideira quente 2 colheres de sopa de manteiga com 1 cebola picada e 1 colher de sopa de farinha de trigo. Deixo dourar um pouquinho. Acrescento 2 ou 3 xícaras de caldo de legumes ou de galinha e misturo bem. Pico folhas de hortelã e junto à mistura. Coloco um punhado de ervilhas congeladas (são melhores e mais nutritivas que as frescas, acredite!) e folhas de alface crespa, lavadas e cortadas em fatias grossas. Deixo cozinhar por 5 minutos aproximadamente. Verifico o tempero. Pingo algumas gotas de limão antes de comer com fatias de pão, ou com frango, ou purinho mesmo como se fosse uma sopa. O verde que resulta é a coisa mais linda e o gosto é fabuloso! Coma bem devagar. Use o tempo. Relaxe. Demore... Afinal, pra que tanta lida pra tão pouca vida? Bon appétit.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A SANTÍSSIMA TRINDADE DOS AROMAS

O nome coentro vem do grego koris que significa “percevejo”, aquele inseto que se prolifera em roupas de cama mal cuidadas. A comparação se deve ao fato de as folhas e as sementes do coentro, quando verdes, possuírem um cheiro semelhante ao produzido pelos indesejáveis bichinhos fedidos. Felizmente, uma vez amadurecidas, as sementes perdem esse odor, detalhe que não acontece com as folhas. Dane-se a semelhança. Eu adoro a erva inteirinha, como tudo. O coentro é parente da suave salsinha, apesar de ter cheiro e gosto inconfundíveis. Originário do sul da Europa e do Oriente Médio, o coentro já foi muito usado como remédio das doenças digestivas e como calmantes. Hoje a deliciosa erva é largamente usada como tempero e faz sucesso em cozinhas do mundo inteiro. A folhinha é tão popular no Oriente Médio que ganhou o apelido de “salsinha árabe”.
O cominho, por sua vez, tem um sabor bem peculiar; seu gosto fica entre o da pimenta e o anis. Os romanos usavam-no como pimenta, já os celtas temperavam seus peixes, e os árabes, como condimento para um monte de pratos. Essa erva de folhas pequenas e verdes, dá flores brancas e rosadas e nasce espontaneamente no Egito até a Índia e nos países banhados pelo mediterrâneo. Experimente-o com peixes, moquecas, carnes e deixe-se levar pela magia de seu sabor sensual e marcante.
A cúrcuma ou açafrão-da-índia ou ainda gengibre amarelo é também chamada de açafrão-da-terra; é “priminha” do gengibre e é a base do tempero indiano que conhecemos como curry. É da sua raiz, seca e moída, que se produz o pó amarelo intenso e brilhante que vai dar cor e calor aos pratos. A cúrcuma dá vida a muitas receitas. É uma coisa linda!
Experimente juntar os três em um mesmo preparo e delicie-se! O Arroz Santíssima Trindade.
Banhe cubos de salmão sem pele com suco de limão e mais as raspas. Coloque em uma forma, regue com um pouco d’água, junte algumas folhas de limão, cubra com papel alumínio e leve ao forno quente. Retire depois de alguns minutos e reserve a água. Cubra o peixe para não ressecar. Em uma panela, coloque manteiga e azeite, cebola picada, sementes de coentro, cominho e cúrcuma e refogue tudo. Junte arroz basmati, cubra com a água do salmão e deixe cozinhar. Depois de cozido, junte os pedaços de salmão. Misture. Decore com ovos cozidos picados. Regue com suco de limão. Salpique coentro fresco picado e sirva generosas porções.
Que nossa comida seja sempre abençoada; que ela nos alimente e nos dê prazer; que seu aroma nos remeta a outros mundos e nos encha de felicidade... Em nome do coentro, do cominho e da cúrcuma, bon appétit!

terça-feira, 24 de maio de 2011

OS OVOS DE ANTONIO BANDERAS

A manhã do dia 24 de maio de 2011 foi, no mínimo, excitante para toda a equipe do programa Mais Você. A mulherada estava rindo à toa. Só o louro José não mostrou os dentes, porque não os tem. A Belinha também não latiu de felicidade, pois quase foi esmagada por sua dona que só parecia ter olhos para o convidado bonitão. O ator espanhol Antonio Banderas veio ao Brasil para lançar sua marca de perfume e aceitou o convite da apresentadora para tomar café e ensinar ao vivo e em cores o preparo de “sua paella” que ele apelidou de “paella californiana”... Sobre a mesa, pãezinhos de queijo, bolo de fubá, café com leite, sucos, pudim e um bocado de outras delícias brasileiras esperavam impacientes pela boca do belo moço. Só não serviram o que, para ele, é imprescindível no café da manhã: ovos fritos. Mas ele não hesitou, foi para o fogão e ensinou a anfitriã a preparar um ovinho frito no azeite, em fogo brando e só salgá-lo sobre o prato. O desjejum estava animado, conversa ia conversa vinha e eu ali, diante da telinha esperando o prometido. Queria ver o Antonio Banderas pôr a mão na massa, pôr a mão em tudo. Fantasiar com sua destreza na cozinha. Nada. Nunca ouvi tanta conversa fiada em tão pouco tempo. Felizmente o cara é simpático, inteligente, simples, bem-humorado e gostoso demais de se olhar... E eu ali, de butuca na TV, esperando a tal paella. Nada. E dá-lhe mais conversa! Cannes, Cristo Redentor, Almodóvar, Cidade maravilhosa, sensualidade, casamento... E nada da paella californiana! E o papo rolava solto, quer dizer, meio solto, já que as amarras dos dois idiomas eram lentamente desfeitas por uma tradutora simultânea que camuflava a voz sensual do jovem cinquentão... De repente, num piscar de olhos, aparece sobre a bancada uma paella prontinha da silva. Não entendi nada. Mas que diabo de paella era aquela?! O homem mexeu a colher umas duas vezes pra lá e pra cá e pronto. Fez dois ou três comentários sobre a origem do prato. Provou. Aprovou a especialidade feita certamente pela cozinheira Maria, o braço direito, o esquerdo e a cabeça da Ana. E eu ali, aguada de vontades. Morta de fome. Mas nem tudo foi perdido. Valeu pelo sorriso maroto e pelos tentadores ovos de Antonio Banderas. Buen apetito!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

SOPA DE ROMÃ

Foi um encontro breve com uma amiga. Ela me abraçou e disse: “Li um livro que é a sua cara.” Acho graça quando as pessoas dizem que tal coisa é a nossa cara. E acabam sendo mesmo. Quase sempre são coisas recheadas de detalhes reveladores que mostram como somos percebidos pelos outros, gostemos ou não.
Em se tratando de livros, logo imaginei que seria sobre comida já que minha amiga me conhece o bastante e sabe da minha gula por leitura gastronômica. “É Sopa de romã. Amanhã passo por aqui e deixo pra você.” O título me encheu de curiosidade e, claro, me deu água na boca. Sabia que ia gostar. Minha amiga gosta das coisas certinhas, não fala pelos cotovelos, cumpre o que promete. No dia seguinte, eu já estava com o livro nas mãos, mas sem dedicatória, fazer o quê, a Daniele é assim mesmo, não gosta de frescuras... Agora estou em dúvida, será que o livro era só emprestado?! Tarde demais querida amiga, ele já está com um bocado de notas que fui obrigada a fazer enquanto lia. Depois te recompenso com um jantarzinho. E obrigada pelo mimo! Sopa de Romã é um delicioso romance, escrito por Marsha Mehran e traduzido por Nina Horta, recheado de receitas que fazem babar qualquer filho de Deus. Na cozinha de uma antiga pâtisserie, em um vilarejo da Irlanda, três irmãs iranianas que fugiram da revolução em seu país criam um “oásis persa”. Em pouco tempo, os mistérios das especiarias usadas nas receitas do Café Babilônia, invadem as narinas e os sentidos dos habitantes. As fragrâncias provocam um efeito mágico e a vida no povoado, até então insossa e destemperada, ganha novos sabores... Uma das receitas me encantou: a sopa de lentilhas cor-de-rosa, “sedutora na fragrância, é tão simples de fazer quanto o nome sugere”. Providencie 2 xícaras de lentilhas secas rosadas, 7 cebolas grandes picadas, 7 dentes de alho amassados, 1 colh. chá de cúrcuma em pó, 4 colh. chá de cominho em pó, azeite de oliva, 7 xícaras de caldo de galinha e 3 de água, sal, pimenta-do-reino moída na hora. Cubra a lentilha com água e ferva por 9 ou 10 minutos. Escorra e reserve. Frite no azeite 6 cebolas, alho, cúrcuma e cominho até dourar. Junte as lentilhas, o caldo, a água, o sal, a pimenta. Ferva. Abaixe o fogo, tampe e cozinhe por 40 minutos. Frite o resto da cebola em azeite até ficar crocante e sirva sobre cada porção. Apaixonante!
Bon appétit!

DE CHORAR DE PRAZER

A vida é no mínimo um assombro. Um dia a gente abraça e chora com a mãe que perdeu seu único filho e percebe a dor da namorada que vê desfeita a esperança de um futuro cheio de graça. Em outro, abraça-se noivos, vivos de corpo e alma, tão cheios de projetos. Há ainda aqueles dias coloridos, com cheiro de filho que volta pra casa, desta vez trazendo mulher e filha e a casa ganha tons, sons e sabores novos, um deleite! E num piscar de olhos, eles se vão de novo e agora é o vazio que enche a casa. Há dias mornos que passam despercebidos, mas há dias surpreendentes, com momentos que nos sacodem e nos fazem acreditar que fizemos algo que valeu a pena... Madame Lispector escreveu: “Ainda bem que sempre existe outro dia. E outros sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas”. Mulher sabida essa!
Outro troço esquisito é outono-inverno em país tropical. A oscilação entre quente e frio é uma constante, por essas bandas, nesta época do ano. O corpo reage do jeito que pode, revindica comida diferente, reclama. É só prestar atenção pra ver que durante essas estações temos fome de outros alimentos, diferentes daqueles que nos dão prazer e nos refrescam na primavera-verão. O tempo muda, o corpo muda, o apetite muda. Ainda bem que tudo muda! No outono-inverno ficamos mais preguiçosos e queremos mais comida, combinação prazerosa, mas um tanto quanto perigosa. É aqui que entra o bom-senso (coisa que me escapa de vez em quando) para se ter o máximo de prazer e quase nenhum arrependimento. É com minha receita de Sopa de cebolas, de chorar de prazer, que me esbaldo no outono-inverno. Ela me dá energia, calor, resistência, alegria e é muito, muito leve. Experimente!
Conte sempre uma cebola grande por pessoa. Essa dá pra quatro famintos. Anote: 4 cebolas roxas em rodelas, 3 colh. sopa de manteiga e 1 bem cheia de farinha de trigo, 4 xícaras de caldo de carne, 1 colh. café de açúcar mascavo, 4 colh. sopa de queijo gruyère ralado (ou outro de sua preferência) para gratinar, pimenta moída na hora, noz moscada ralada, 4 torradas. Doure a cebola na manteiga com o açúcar. Depois de bem dourada, junte a farinha e mexa bem para cozinhá-la. Coloque o caldo de carne, a pimenta e a noz moscada. Cozinhe sem tampar por 15 minutos. Coloque em cumbuquinhas com uma torrada por cima coberta com o queijo ralado. Leve ao forno quente por alguns minutos e sirva em seguida. Bon appétit!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

DE NAMORICO

Imagine-se estar (na verdade você sempre foi) loucamente apaixonada por um “cara” que todo mundo adora, sobretudo as mulheres. Mas te apresentaram o “primo” dele e você resolveu dar uma chance para o desconhecido só pra ver no que ia dar. Ele não é muito atraente, mas você é curiosa, curiosa demais pra resistir à tentação. A proposta foi no mínimo intrigante. O novo quase sempre é intrigante... É assim que ando há alguns dias. E de namorico com um completo estranho... Já ouvi dizer que se aprende a gostar, que o amor vem com a convivência. Será?! Quer saber, não custa tentar, afinal, estamos aqui para experimentar, apreciar (ou não), decidir, compartilhar. É o que vou fazer agora, contar tim-tim por tim-tim o desenrolar dessa saborosa história.
Foi em uma boutique de comidas naturais e produtos orgânicos que tudo começou. Conversa vai conversa vem, eu já estava quase de saída quando a atendente me apresentou Alfarroba como o substituto do chocolate. Li na embalagem: sem açúcar, sem lactose, sem glúten, sem cafeína. Pensei: e com certeza, sem gosto e sem graça! Mas comprei. Primeira mordidela um tanto quanto sem graça como havia imaginado. Porém um suave gostinho (de ainda não sabia o quê) aguçava minhas papilas. Então, sem julgamentos prévios, deixei-me levar pelo desconhecido. Morder era meu único trabalho. E aos poucos, na medida em que cada quadradinho da massa marrom misturava-se à minha saliva, um creme macio e saboroso como o chocolate, de cheiro ligeiramente defumado, me enchia de prazer. Sou pisciana, é pela boca que sou fisgada, rendi-me. Fui conquistada pelo charme discreto e irresistível do surpreendente fruto. Queria saber mais sobre ele. Estava apaixonada. A alfarroba é uma vagem de 30cm, marrom quando madura e vem de uma árvore das regiões mediterrâneas. Ela é usada como alimento desde a antiguidade; tem polpa macia, adocicada e é muito nutritiva. E pasmem: foram seus grãos uniformes e de peso constante que deram origem à unidade de medida utilizada pelos joalheiros, o quilate. Na França é chamada de caroube, que vem da palavra árabe kharrub que quer dizer “fava”. É também conhecida por pain de Saint Jean (pão de São João), pois, segundo a lenda, João-Batista alimentou-se com grãos de alfarroba e mel durante sua travessia do deserto. Ainda não fiz nenhuma receita com alfarroba, mas sei que a primeira vai ser uma mousse. Depois conto tudo. Bon appétit!

terça-feira, 26 de abril de 2011

HOMENS & DEUSES E MEU AMIGO E EU.

Era Sexta-feira Santa (não tão santa, mas certamente sagrada); um dia daqueles que ficam gravados na memória, cravados na alma, com gosto de presente, de surpresa de amigo, você sabe.
Meu amigo chegou, sem programação prévia, no meio da tarde com uma sacolinha de chás, um monte deles, deliciosamente cheirosos; na outra mão, um filme que ele baixou da internet (atire a primeira pedra quem nunca o fez ou ficou tentado em fazê-lo- melhor pular essa parte) e uma caixinha de bombons caseiros, aqueles que escondem um morango, uma uva ou um pedaço de abacaxi doce no miolinho.
O filme era Des hommes et des dieux (Homens e deuses), uma história emocionante que trata com grandeza da nossa pequenez diante do assombro da vida crua, fria, sem temperos, sem cheiros... Enquanto isso uma torta de maçãs dourava lentamente no forno e perfumava a casa toda... O filme começa assim: “Eu disse: ‘vocês são deuses; todos vocês são filhos do Altíssimo Deus. Porém morrerão como os homens comuns morrem; a vida de vocês acabará como a de qualquer príncipe’. Vem, ó Deus, e governa o mundo, pois todas as nações são tuas.” (Salmo 82)
O jeito foi aprumar-se no sofá. Sentimos que seríamos golpeados pela história... E fomos! Fizemos, claro, algumas pausas para a degustação dos chás com fatias da torta ainda morna e para digerir pedaços do filme... E a tarde se foi assim, fatiada, saboreada aos poucos... Sobre a mesa, quase nenhuma sobra, só migalhas da torta, xícaras tingidas pelo colorido dos chás, outras de café, uma pequena família de abelhas que vieram sei lá de onde; duas Bíblias abertas no Livro dos Salmos, A descoberta do mundo de madame Lispector e Sopa escaldante de Lucinda Personna...
Ainda tínhamos fome, mas agora era de “sal”. Preparei um penne ao molho de mostarda com estragão e uma polentinha de manjericão roxo (não se trata aqui de combinação de pratos, e sim de fome e de comer o que se tem). E não é que ficou bom?!
Falamos sobre “coincidências”. Concluímos que elas realmente não existem e mais: Deus é um cara danado de esperto pra dizer as coisas... Mandou até abelhas pra confraternizar com dois malucos. Amém, digo, bon appétit (pra não perder o costume).



P.S.: Já ia me esquecendo: fala-se francês e árabe no filme, mas as legendas eram em inglês; conversávamos em português... Isso não é quase uma Babel moderna? E ainda tem gente que acha que deveria existir uma única língua universal. Deus nos defenda! O que seria do encanto, da magia da diversidade?