segunda-feira, 27 de agosto de 2012

TEMPERANDO SALADAS

Não demora e a primavera vai dar o ar da graça. É tempo bom pra comer salada. Salada de folhas, salada de flores, salada de legumes, salada mista, salada simples, salada do que tiver. E vale acrescentar uma pá de frutas frescas às saladeiras na hora de servir: pode ser uma manga madura e firme, cortada em cubinhos; morangos sedutores; tangerina doce para os amigos simpáticos e a azeda para os mais chatos; laranjas suculentas; uvas, de preferência sem sementes; maracujá pode ser do jeito que nasceu, com sementes; melão, qualquer um serve; figos macios; caquis que se disfarçam de tomates; tomates metidos a caquis de tão doces que são; abacaxi é só descascar, picar e pronto; mamão formosa, papaia, da roça do vizinho, do fundo do quintal, mamão é mamão; até goiaba cai bem nas saladas, se não estiver bichada... Pra quem gosta de fazer bonito: tâmaras picadas, figos e damascos secos, passas brancas ou escuras, sem sementes, reidratadas em uma dose de vinho do Porto. E por aí vai... E pelamordedeus, tempere, dê mais sabor ao prato! Pense no que uma pitadinha de canela pode fazer num punhado de cenouras raladas e misturadas com rodelas fininhas de cebola roxa; gotas e raspas de limão siciliano levantam defunto da cova; folhas de salsa ou de coentro e manjericão refrescam o paladar... E quando chamar os amigos pra dividir o saladão, lembre-se que, na hora de temperar, o generoso coloca o azeite; o sábio encarrega-se do sal; o mesquinho verte o vinagre; o paciente mistura tudo na saladeira. Só assim já está bom. É assim que os italianos temperam suas saladas em família. Mas se não estiver a contento, a mostarda pode ficar por conta do atrevido e a pimenta vermelha, madura e fresca, vira papel do abusado. Não tem erro. São as benesses da estação... Salada pra mim tem que fazer barulho na boca. Abuse das folhas durinhas: alface americana, agrião, repolho roxo, endívias... E quando estou meio jururu, recorro ao livro de saladas do restaurante Celeiro e pronto, vou pra feira. No livro tem saladas até pra quem não é chegado em verdura: Feijão-fradinho com batata-baroa ao molho de iogurte e curry; milho com rúcula e tomate cereja; alho-poró com macadâmia; cenoura ao molho de abacaxi e passas; chuchu ao molho de iogurte e pimenta rosa... Bon appétit!

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

EU ODEIO COZINHAR

Gostar de cozinhar está em alta. Pelo menos dizer gostar. Algumas pessoas até gostam mesmo, e cozinham de verdade. Mas odiar cozinhar não é nenhuma anomalia nem é imoral. E tem gente que odeia mesmo. Foi no departamento de livros de culinária da FENAC de Goiânia que me deparei com Eu odeio cozinhar- Receitas fáceis para quem tem mais o que fazer.- A “rebeldia” do título e a capa simplória me encantaram. Abri e li: “... algumas atividades não se tornam menos dolorosas pela repetição: dar à luz, pagar impostos, cozinhar. Este livro é para quem quer segurar uma taça de martíni, e não um pedaço de carne crua, ao final de um longo dia.” Gostei. Gostei da Peg Bracken que, ao que consta, escrevia sempre que podia, cozinhava quando era preciso e tinha um jeito peculiar de ver a vida. Continuei folheando. Corri o dedo no sumário: 1. 30 pratos principais para o dia a dia ou A pedreira. 2. As sobras ou Toda família precisa de um cachorro... 4. Batatas e outros amidos ou O contrapeso é o melhor amigo da mulher. 5. Jantar na casa dos amigos ou Como levar a água para a limonada. 6. Teremos visitas ou Agora você não tem mesmo saída... 9. Sobremesas ou As pessoas já estão gordas mesmo... 11. Jantares improvisados ou Essa é a história da sua vida... Equivalências e afins ou Detalhes chatos que você não tem a menor intenção de decorar. Pulei Prefácio e Introdução. Viajei nas ilustrações. Fui direto fuçar as receitas. Elas são quase uma piada (de bom gosto). Aqui vai uma: Rodelas de cebola: Corte 1 cebola em fatias, as mais finas que conseguir. Depois corte rodelas finas de pão, passe manteiga e coloque uma fatia de cebola sobre cada uma. Polvilhe com queijo ralado e leve ao forno até o queijo derreter. Pronto. Pode rir. Lá vai outra: Sobremesa do Deserto: 5 laranjas descascadas e cortadas em fatias finas, ½ xícara (chá) de amêndoas torradas e picadas, ¾ xícara (chá) de tâmaras desfiadas, 2/3 xícara (chá) de suco de laranja, 1/3 xícara (chá) de conhaque. Misture todos os ingredientes em uma bela saladeira e deixe na geladeira por pelo menos 2 horas. Sirva em taças. Pronto. Só alegria. Comprei o livro. Vou ter que rever alguns conceitos bestas. Acho que, bem lá no fundinho, a Peg gostava, sim, de cozinhar. Bon appétit.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

DOIS CRIMES, UMA TORTA

Ter um amigo que curte cinema é pra lá de confortável. Quando recebe uma indicação de outro fissurado em filmes, vai atrás, fuça, checa a veracidade da informação e aí sim, chama a gente pra ver. Há alguns dias, meu amigo me ligou convidando pra um risoto e um filminho depois. Fui. Quanto ao risoto, melhor não falar nada. Comi e pronto. O filme conta a história verídica das irmãs Papin, nascidas na França no início do século passado. Christine Papin e Léa Papin são duas empregadas domésticas, exímias cozinheiras que, em fevereiro de 1933, assassinam com requinte de crueldade e sem razão aparente, a Sra. Lancelin e sua filha, para quem trabalharam durante anos. Este seria mais um crime horrendo, não fossem os ingredientes mórbidos da história de vida das duas jovens. A França ficou estarrecida e o que consta nos autos do julgamento é de arrepiar. O filme é muito mais que a história de um duplo assassinato. Assista e reflita. O filme me fez pensar na história de outras duas irmãs, igualmente cozinheiras de mão-cheia, as irmãs Tatin, cujo maior “crime” teria sido o de deixar passar do ponto uma clássica torta de maçãs (o que deu origem a uma nova versão da receita). A história aconteceu no fim do século dezenove, no restaurante das irmãs Caroline e Stéphanie Tatin, no miolo da França. Uma das irmãs distraiu-se e esqueceu a torta no forno quente. Ao tirar a iguaria do forno, as moças perceberam que a massa estava queimada, mas as maçãs, deliciosamente caramelizadas, ainda podiam ser aproveitadas. No ímpeto de evitar o desperdício, dispuseram as maçãs em outra forma, mas desta vez colocaram a massa por cima para que as frutas não queimassem e a massa cozinhasse mais depressa. Viraram a torta dourada sobre um belo prato e serviram-na ainda quente. Que alvoroço! Nascia, assim, a célebre Tarte Tatin. Existem outras versões pra essa história. Gosto dessa. Agora, imagine só, as duas Papin e as duas Tatin, quatro mulheres cozinheiras, duas histórias tão diversas... Coisa mais assustadora essa vida. Bon appétit.


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

MEMÓRIA GUSTATIVA

Os sabores e os aromas são fortes componentes psicoemocionais. Ambos funcionam como um ‘túnel do tempo’ que nos remete de volta ao passado, trazendo à tona sensações, impressões, emoções vividas- sejam elas agradáveis ou não- que julgávamos perdidas no tempo. Quase sempre somos pegos de surpresa e em uma fração de segundos lá fomos nós, arrebatados por um gosto familiar, um cheiro conhecido e jogados em algum canto do passado experimentando, de novo, um momento único. E, acredite, quando nada mais sobrar de um passado distante, os sabores e os cheiros permanecerão ainda por muito, muito tempo... Semana passada, fiz madeleines para minha neta. Madeleines são aqueles bolinhos franceses, muito em moda no início do século XX, de massa leve que têm o formato das conchinhas de vieiras. O quitute foi imortalizado na obra literária de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido (publicada em partes entre 1913 e 1927). Depois de muitos anos sem comer o tal bolinho, Proust aceita, sem muito entusiasmo, algumas madeleines oferecidas por sua mãe. No começo, a pequena conchinha doce embebida no chá não lhe trazia nenhuma recordação, até ser levada à boca: “E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray…” E voilà: um mundo de recordações, atrelado a diversas emoções, abriu-se para Proust. A memória de um gosto tem o poder de fazer a consciência mergulhar involuntariamente no passado. Não sei quais são suas memórias gustativas, mas posso lhe ensinar a fazer madeleines que não deixarão você se esquecer de mim. Receita de base doce: 2 ovos, 150g de açúcar, 150g de farinha de trigo peneirada com 1 colher (café) de fermento químico, 125g de manteiga em temperatura ambiente, 2 colheres (sopa) de leite. Bata os ovos com o açúcar até obter um creme claro. Junte, aos poucos, a farinha e o fermento peneirados. Acrescente a manteiga e o leite. Deixe descansar durante meia hora na geladeira. Preaqueça o forno a 220 graus. Despeje uma colher da mistura em cada cavidade, untada, da forma. Leve ao forno por 4 minutos e diminua a temperatura para 180 graus e deixe por mais 6 minutos. Desenforme as conchinhas douradas e sirva-as como preferir: com chá, recheadas com geleia, lambuzadas de mel... Bon appétit!
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