segunda-feira, 26 de junho de 2017

*AQUI NÃO É RESTAURANTE*


Ontem ganhei um presente. Tenho sorte. O povo sabe o que me alegra: livro ou comida. Ontem foi livro (mas também comi na casa do presenteador). Um livro sobre comida. Fiquei duplamente satisfeita. O Pedante na cozinha é daqueles livros que a gente quer comprar uma dúzia e sair presenteando por pura vontade de dividir o que nos faz bem (ou por pedantismo mesmo)! O autor, Julian Barnes, nascido em 1946, um inglês com pinta de francês, foi crítico de literatura; como escritor foi indicado e ganhou um punhado de prêmios; publicou romances, contos e um monte de escritos sobre culinária... Mas isso tudo são etiquetas, bobagens. O cara parece ser gente boa, sensível, verdadeiro, humano e tem um talento e tanto com as palavras. Isso me basta. Estou na página 52 de 142 e já colori um bocado de frases, daquelas que a gente tem vontade de surrupiar, mas como não é do meu feitio, vou abrir as generosas aspas. “Precisamos mesmo é nos libertar, de maneira mais ampla, daquilo que se pode denominar falácia do restaurante. Nós saímos para comer, pedimos três pratos, que chegam mais ou menos quando o estômago mais os deseja, e toda a conspiração da casa nos convida a concluir que a comida foi preparada na hora, especialmente para nós, a partir do momento em que fizemos o pedido, isto é, puseram para ferver uma porção de feijão, enfiaram algumas batatas no forno para assar, bateram um pouco de molho béarnaise etc. E o mesmo para todos os outros fregueses do restaurante. Sabemos que isso é pura tolice, embora alguns de nós continuemos a creditar nisso, e é maléfica a consequência quando começamos a cozinhar para outrem. Imaginamos que é preciso fazer tudo de uma vez só... Porém, mesmo que isso fosse possível (e não é) esquecemos que, de qualquer modo, não somos só o chef; também temos de ser o garçom, o maître, o recepcionista e o saltitante anfitrião.” Agora vem a melhor parte, um conselho de mestre: “As lojas que vendem produtos para cozinha oferecem muitos acessórios úteis e equipamentos que poupam tempo. Um dos mais úteis e mais libertadores seria uma placa que o cozinheiro doméstico poderia usar para chamar atenção em momentos de tensão: AQUI NÃO É RESTAURANTE.”
E eu que nunca pensei nisso antes...
Bon appétit!



sexta-feira, 9 de junho de 2017

O (DES)GOSTO

Uma das coisas que mais me fascinam, é a formação das palavras (outra, você já sabe: comida). O que está por trás da formação de cada uma delas, o oculto nelas, o mistério delas, a raiz... Ando estudando sobre os Chacras. Chacra quer dizer Roda em sânscrito, "pois segundo antigas escrituras, os sábios da Índia antiga os descreviam com formas redondas em suas visões, despertadas pelos sidhis, poderes adquiridos pela prática da meditação. Estão relacionadas às glândulas no corpo físico, mas residem no Plano Astral; logo, se dissecarmos um cadáver, não os encontraremos." Segundo ensinamentos, nossa meta inicial, por essas bandas terrestres, é vencer os três primeiros (num total de sete) por meio da prática de uma nova abordagem consciente, com o intuito de alcançar a ‘luminosidade de Anahata, o chacra do coração’. É no chacra cardíaco que encontramos o alimento necessário para darmos sequência à nossa caminhada espiritual. Porém, foi lendo sobre o segundo chacra que meu coração quase parou. O segundo chacra, denominado Swadhisthana (que quer dizer ‘morada do ser’) ou chacra sexual, está localizado abaixo do umbigo, no baixo ventre. É o chacra da sexualidade, da fantasia, da criatividade. “Aqui, já nos tornamos adultos o suficiente para buscar a continuidade da vida e da espécie”. E por fim, seu elemento: a Água. É ali que nossas ‘emoções são chacoalhadas’, ali estão depositados nossos conflitos existenciais; é nossa fase de adolescência... Ali estão também nossas más águas, isso mesmo, nossas mágoas! Não é fascinante isto? E mais, e certamente não por acaso, o sentido que predomina nesse chacra é o paladar! Olha aí, de novo, a correlação das coisas: mágoa e (des)gosto. E quantas vezes já ouvimos tratarem o ato sexual como ‘comida’! Coincidência? Mais uma coisinha: comida é uma coisa, Alimento é o absorvemos através dos cinco sentidos. Cuide-se! Saúde e bon appétit sempre.



quarta-feira, 31 de maio de 2017

O SUFICIENTE

Quem me conhece sabe que eu funciono como um trem: um vagão puxa o outro, uma conversa puxa outra e é aí que começa a viajação. Então vamos lá. Um dia desses, li na timeline de um amigo que ele havia sonhado com o pai, já falecido, e que o tal sonho fizera lembrar-se de uma frase que seu velho costumava dizer: “Nunca abaixe a cabeça nem levante o nariz, olho no olho já é o suficiente.” E é claro que eu não podia deixar de compartilhar tamanha sabedoria. Porém, foi o ‘suficiente’ que ficou ali, martelando meus pensamentos... o suficiente, o suficiente...
Fui atrás de um texto que li faz tempo, cujo título é Desejo o suficiente para você, de autoria desconhecida. Trata-se da despedida calorosa entre mãe e filha, presenciada por um estranho, em um aeroporto qualquer. Segue um pedacinho: -“Quando estavam se despedindo, ouvi a senhora dizer Desejo o suficiente para você. Posso saber o que isso significa?” –“É um desejo que tem sido passado de geração para geração em minha família. Meus pais costumavam dizer isso para todo mundo... Quando dissemos Desejo o suficiente para você, estávamos desejando uma vida cheia de coisas boas o suficiente para que a pessoa se ampare nelas...”  
Na cozinha, dizemos ‘o quanto baste’ quando não precisamos a quantidade do ingrediente na receita. O quanto baste é o suficiente! Nem mais, nem menos; é a perfeição do equilíbrio; é o bom senso alcançado; é pura delicadeza; é o tempero na medida justa, justa com todos os temperos... A vida se explica também e tão bem na cozinha! Quer saber, a partir de hoje, quando me perguntarem sobre as proporções em uma receita, ah, já estou com a resposta na ponta da língua, afiada como cutelo de açougueiro.
Aproveite a ladainha pra fazer uma Masala indiana, deliciosa e terapêutica, para temperar seus pratos: use cúrcuma, pimenta caiena, canela em pó, gengibre em pó, páprica doce ou picante (ou as duas), cardamomo, grãos de coentro ligeiramente tostados, cravo-da-índia, sal... As medidas, você já sabe! Saúde!
Bon appétit.


segunda-feira, 22 de maio de 2017

SOBRE AMANTES & SABORES



Há muito, muito tempo não escrevo. Não que esteja desiludida com as palavras ou com as comidas do mundo, que são meus temas preferidos; nem é por falta de tempo, que desculpa mais esfarrapada e feia não há; também não é por escassez de assunto ... É que ando meio calada mesmo, das falas faladas e das falas escritas. Há poucos dias deparei-me com uma postagem no FB, cujo título era: Quem é o seu amante? Abri. Era um texto de Jorge Bucay que começa assim: “Muitas pessoas têm um amante e outras gostariam de ter um. Há também as que não têm, e as que tinham e perderam.” Geralmente, são essas últimas que vem ao meu consultório... Elas me contam que suas vidas transcorrem de forma monótona... Enfim, são várias as maneiras que elas encontram para dizer que estão simplesmente perdendo a esperança. Antes de me contarem tudo isto, elas já haviam visitado outros consultórios, onde receberam as condolências de um diagnóstico firme: ‘Depressão’, além da inevitável receita do anti-depressivo do momento. Assim, após escutá-las atentamente... digo-lhes que precisam de um AMANTE! ... Amante é aquilo que nos ‘apaixona’, é o que toma conta do nosso pensamento antes de pegarmos no sono, é também aquilo que, às vezes, nos impede de dormir... é aquilo que nos mantém distraídos em relação ao que acontece à nossa volta. É o que nos mostra o sentido e a motivação da vida... Às vezes encontramos o nosso ‘amante’ em nosso parceiro... alguém que não é nosso parceiro, mas que nos desperta as maiores paixões e sensações incríveis. Também podemos encontrá-lo na pesquisa científica ou na literatura, na música, na política, no esporte, no trabalho, na necessidade de transcender espiritualmente, na boa mesa, no estudo... Enfim, é ‘alguém’ ou ‘algo’ que nos faz ‘namorar a vida’ e nos afasta do triste destino de ‘ir levando’!... Por favor, não se contente com o ‘ir levando’, procure um amante... “ Entendi. Ando muda porque tenho um amante. Estou de namoro com a vida! É um amante complexo e simples ao mesmo tempo, verdadeiro, ético, humano, muito rico e belo... Refiro-me ao mais antigo “sistema de saúde e longevidade na tradição milenar da Índia”: o Ayurveda, que tem como um dos pilares, a Alimentação, ou seja, tudo aquilo que absorvemos através dos cinco sentidos. Cá estou eu, de novo, envolvida com a boa comida e seu poder de nos restaurar e nos elevar... Há alguns meses, já inscrita em um curso, quando soube que a comida exercia um papel muito importante no Ayurveda, arregalei os olhos, meu coração se expandiu, pensei: é aqui que vou ter as respostas para muitas das minhas indagações... Comecei a estudar para aprender mais sobre comidas, o uso das especiarias e suas funções terapêuticas, mas confesso que continuo por um monte de outras boas razões (mas isso é outra história). Ensinaram-me que uma refeição perfeita deve ter os seis sabores: o doce, o salgado, o ácido, o picante, o adstringente e o amargo, e que podemos equilibrar nosso organismo, aumentando nosso poder de digestão através do emprego adequado de cada um deles. É aqui que entram as especiarias com seus poderes “mágicos” de transformação e cura, além de encherem nossos pratos de cores e gostos diversos! Eu, que já tinha uma tendência a fazer algumas “bruxarias” na cozinha, agora estou mais atrevida, tenho aval! E posso afirmar, sem titubear, a cozinha é o útero da casa! Saúde!
Bon appétit!